Costa, o empregado de café de Coimbra que tem telas espalhadas pela cidade

O senhor Costa, como é conhecido, é empregado no Santa Cruz, em Coimbra, há 35 anos. Em ano de centenário, o histórico café decidiu homenagear o seu mais antigo funcionário, com uma exposição onde mostra a sua faceta de pintor.

Costa, o empregado de café de Coimbra que tem telas espalhadas pela cidade

No café Santa Cruz, está exposta, até 31 de dezembro, uma pequeníssima parte das mais de 100 obras que pintou ao longo de vida, muitas delas hoje espalhadas por casas de clientes do café, quer na cidade, mas também pelo resto do país e até fora dele.

É numa pequena dispensa do seu apartamento transformada em ateliê, com a luz a entrar amiúde por uma pequena janela no teto, que António Costa tem pintado ao longo de mais de 40 anos. O espaço é tão exíguo, que por ali só trabalha quadros de pequena dimensão, os outros são pintados na cozinha ou na sala, explica à agência Lusa o empregado mesa de 81 anos.

Há um cavalete, tintas, cartão no chão, livros de pintura, fotografias a preto e brancos dos seus pais e dos seus filhos, obras por concluir e alguns CD — “a música ajuda-me a entrar no espírito”, aclara António Costa, a quem não falta sequer a boina de pintor.

Ao longo dos anos, habituou-se a pintar natureza morta e paisagens, sobretudo de aldeias da Serra da Lousã e de Coimbra, nomeadamente o típico postal de entrada da cidade, que se avista da margem esquerda, ou o próprio café onde trabalha há 35 anos.

Sempre teve jeito para pintar e desenhar, mas foi na tropa que o gosto se adensou, quando na caserna que partilhava com outros recrutas encontrou um camarada que tinha andado na Escola Artística António Arroio, em Lisboa, e deu-lhe umas “luzes”, numa altura em que o chamavam de Picasso e António Costa nem sabia a quem se estavam a referir.

“Foi o meu primeiro professor”, recorda, referindo que ainda na tropa, sempre que tinham um tempo, pintavam em aguarela, uma delas um pôr-do-sol, que mais tarde foi parar à capoeira da casa da sua mãe. “Deve ter achado que aquilo era bom para tapar um buraco”, diz António Costa, a rir.

Depois da tropa e de já ter acumulado experiência a servir às mesas desde os 13 ou 14 anos, foi dividindo a profissão com o gosto pela pintura, quando havia dinheiro para comprar “umas bisnagas pequenas” de tinta.

“A minha mãe era da aldeia, mas sempre me incentivou. Se tu gostas, continuas”, vinca.

Já a trabalhar na pastelaria Briosa, na Portagem, onde também esteve muitos anos, ainda tentou fazer uma formação no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), mas nem sempre conseguia ir às aulas.

Vieram os filhos e, a determinada altura, decidiu parar de pintar, que o passatempo ficava caro.

Nessa altura, a sua mulher, Maria dos Anjos, e o filho mais velho decidiram oferecer-lhe no Natal uma caixa de tintas e um cavalete para fazê-lo regressar à pintura.

“Ficou muito emocionado, na altura, até chorou. E depois disso, continuou e continuou até hoje”, conta Maria dos Anjos, que se assume como a sua maior fã e que ainda se recorda das férias em que nunca poderia faltar um bloco onde António Costa pudesse desenhar.

“Eu sempre insisti porque eu via o gosto que ele tinha”, conta, salientando que também as netas não o deixam parar de pintar — uma delas tem uma tatuagem com base numa rosa pintada pelo avô.

O gosto pelos seus quadros não ficou apenas na família. Já na Briosa e depois no Santa Cruz, foi angariando clientes e admiradores entre os que lá passavam para beber um café.

As suas obras estão hoje espalhadas por várias casas de Coimbra, mas também pelo país e fora dele, em países como “Espanha, Brasil, Estados Unidos ou Bélgica”, conta.

José Cruz, há 30 anos no café e hoje um dos gerentes do Santa Cruz, recorda-se dos tempos em que António Costa levava uns quadros para o trabalho, deixava-os a um canto, mostrava a clientes e depois vendia-os ali.

“Sou desse tempo”, lembra o gerente, que vinca que António Costa “é um dos pilares do Santa Cruz” e uma espécie de guia de profissionalismo para todos os empregados de mesa que por lá passam ou passaram — uma pessoa “afável, educada, polida e simpática”.

Para José Cruz, fazia todo o sentido o café, no ano do seu centenário, fazer uma homenagem ao funcionário com mais anos de serviço no Santa Cruz e que está sempre “pronto” para dar “a mão e o pé” pelo estabelecimento.

“Queríamos mostrar este dom que ele tem de pegar no pincel e fazer o que ele faz”, diz o gerente.

António Costa diz que não ficou rico a pintar, mas que a venda das telas, sempre foi uma ajuda para comprar mais tintas e mais material e manter o gosto.

Aos 81 anos, ainda trabalha no café, porque não quer ficar “demasiado parado”.

“Sinto-me bem aqui, os clientes conhecem-me e a gente dá-se bem”, diz o empregado de mesa que assistiu também à mudança da Baixa ao longo dos anos em que trabalhou no Santa Cruz, dos tempos da azáfama do comércio e da estrada nacional a passar ao lado do café até à perda da centralidade daquela zona e de um consequente menor movimento, hoje contrariado pelos turistas, que o obrigam a saber umas palavrinhas noutras línguas.

Sobre a pintura, diz que é “um sentimento”.

“Eu quando estou a pintar não estou cá. Estou noutro sítio. Ponho uma música, estou envolvido com as tintas, com o tema e uma pessoa está ali e não está”, diz António Costa, que associa a pintura a um sonho, que mantém e alimenta.

“É uma alegria ter aqui uma exposição. Sabe bem ser reconhecido, dentro desta simples pintura, que se calhar para alguns não é pintura nem nada, mas para mim é muito, porque consigo fazer uma coisa que gosto, mesmo sem ter o conhecimento dos mestres. É resultado do meu trabalho, da minha procura”, vinca.

Apesar de tudo e de admitir que gostaria de ter aprendido mais e de ter pintado “muito mais”, sente-se “satisfeito” com o que já fez.

“É um legado, qualquer coisa que deixo para aqueles que levam os meus trabalhos. Ao mesmo tempo, onde está um quadro meu, é um bocado meu que estão a levar”, diz.

JGA // JEF

By Impala News / Lusa

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