Roberta Medina Prepara os 20 anos do Rock in Rio Lisboa: “Foi o primeiro festival de muita gente”

Roberta Medina abriu as portas da Cidade do Rock à NOVA GENTE e fez uma viagem ao passado do festival. Numa conversa leve, como ela, na nova morada do evento, o Parque Tejo, desvendou as grandes novidades para esta edição, que assinala duas décadas de Rock in Rio em Portugal.

Está tudo a postos para esta edição?
Não! Está só a começar [risos]. 

Sente a pressão?
Essa pressão está em cima da equipa. Claro que sinto, mas não sou eu que estou em campo. Agora começa a pressão para o parque estar pronto e é a primeira vez aqui, no Parque Tejo. Mas nesta edição há uma vibe tão boa, que faz com que todos os desafios sejam mais leves. 

São 20 anos de Rock in Rio Lisboa.
Eu cresci à sombra e à luz do Rock in Rio brasileiro, que faz 40 anos, e teve o Freddie Mercury. Eu pensava que me lembrava bem do de há 20 anos, parecia que tinha sido ontem. Mas depois dei uma entrevista a alguém com 22 anos e eles não sabem o que é Portugal sem Rock in Rio. Fui ver imagens de 2004 e como a tecnologia evoluiu muito parece que foi noutra vida. Os cortes de cabelo, a moda… E depois quando a Carolina Deslandes veio anunciar que vai estar no Palco Mundo desta edição, ela disse que a primeira vez que veio ao Rock in Rio tinha 12 anos. Foi o primeiro festival de muita gente. Há muitas memórias, e isso é maravilhoso.  

“Lembro-me da festa de lançamento no Coliseu, uma festa black tie, e eu andava pelos cantos para não ter de falar com as pessoas”

A chegada em 2004 foi um marco na vida dos portugueses?
Chegámos numa época em que ouvíamos coisas como: “Que bom que vocês chegaram para mostrar que os brasileiros são profissionais”. Era uma época em que existiam estereótipos e de repente foi bom ver esta relação entre os dois países. Serviu para estreitar os laços. Nós certamente contribuímos, mas houve uma pessoa que fez toda a diferença, que foi o Scolari, também em 2004. Juntámos dois em um. Ele trouxe o alto-astral dos brasileiros. É muito bom ver como tanta coisa mudou.

Se recuar até 2004, lembra-se do que sentiu na primeira edição em Lisboa?
O Rock in Rio é um negócio de risco e a primeira edição foi desafiadora, era um grande investimento. Não era uma coisa segura. Lembro-me de sentir uma estranheza, porque eu não conhecia ninguém. No Brasil, bem ou mal, tinha os amigos todos, a família. Lembro-me da festa de lançamento no Coliseu, uma festa black tie, e eu andava pelos cantos para não ter de falar com as pessoas. Quando decidimos ficar com o projeto, havia a possibilidade de eu ficar em Portugal à frente da empresa ou de ser outro executivo a fazê-lo, mas nessa altura eu estava tão identificada com Portugal, tinha feito tantos amigos, que fiquei. Íamos fazer a árvore de Natal no Jardim do Império na Torre de Belém, e eu fiquei. Eu presidia a empresa de eventos no Brasil e disse: “Tenho de passar essa bola”. Há pessoas que conseguem, mas para mim era esquizofrénico gerir as coisas nos dois lados. A mudança para Portugal não foi um processo muito racional, aconteceu porque me senti acolhida.

Nunca se arrependeu dessa decisão?
Não, pelo contrário. O Ricardo [marido] ama o Rio e eu digo: “Nem vem, que não tem!” Quando começámos a namorar foi quando o Rock in Rio voltou ao Brasil, de 2010 para 2011. E de 2011 a 2017, passámos o tempo a mudar. Com o cachorro, com uma criança, com duas crianças… Eu já estava cansada. Nos primeiros anos, comigo solteira, fizemos o Rock in Rio na Roménia, Polónia, Madrid. Depois com o Ricardo passávamos um ano em cada lugar. Enquanto a Lua [filha] estava na creche era fácil, mas quando chegou o primeiro ano [de escola] tivemos de tomar uma decisão. Havia uma solução, a escola que faz o mesmo calendário escolar é a americana, mas a Lua é tímida e eu estava cansada. A partir dali ficámos por cá e já não mudámos. Mas todos os anos vamos para lá, porque há Rock in Rio. Vamos por 40 dias, não é por um ano, e a sorte é que é nas férias das escolas deles. Não é perfeito, porque eles perdem o verão e os primos lá estão em aulas. Mas dá para conciliar. 

Que diferenças encontrou em relação ao festival no Brasil, quando aconteceu o primeiro Rock in Rio Lisboa?
A minha primeira edição a trabalhar no projeto foi em 2001 e no Brasil estávamos numa fase em que por tudo e por nada os jovens brigavam. Foi o primeiro ano em que tivemos espaço de música eletrónica e havia sempre confusão. Lembro-me de mandar fechar a tenda eletrónica umas três vezes mais cedo. E eu lembro-me de estar em Portugal e no meu rádio não acontecia nada. Eu mexia e pensava: “Está avariado”. A sensação que tenho é de que, se pedíssemos àquelas 80 mil pessoas do público português “desviem-se um bocadinho para a esquerda”, elas iam. A nível de gestão de público, em Portugal, é uma coisa muito mais suave. A segurança era uma não questão. 

Pai “empurrou-a” para o projeto

Há algum conselho que o seu pai lhe tenha dado quando começou que guarda até hoje?
Eu não decidi muito, foi um leve empurrão. Eu já trabalhava há alguns anos, tinha-me apaixonado pela produção de eventos e, quando eles fecham o Rock in Rio e viabilizam o projeto, ele pede-me para juntar os vários produtores brasileiros. Eu fiz a reunião e ele começou a distribuir as tarefas e no final diz: “A Roberta vai coordenar a produção”. E eu: “Não vou, não!” Mas quando ele diz que eu ia pela terceira vez, eu fui! Eu estava na santa ignorância. Sabia que gostava da produção de eventos, mas não fazia a menor ideia para onde estava a ir. Foram nove meses e meio de pressão e de aprendizagem, de responsabilidade. Eu tinha muito receio de falhar em nome dele. Hoje, se eu fizer asneira, é em meu nome. Em Portugal, ele veio, viabilizou o projeto e depois disse: “Agora vem”. E eu vim. 

Ao fim de 20 anos de Rock in Rio em Lisboa ainda há alguma coisa que a surpreenda?
Há uma coisa muito interessante no nosso trabalho: nós só controlamos uma parte pequena. Somos 20 permanentes, em eventos 12 mil, e são mais de 300 empresas a trabalhar para fazer o Rock in Rio acontecer. É pura ilusão achar que o Rock in Rio está nas nossas mãos. Nas nossas mãos está a faísca inicial. Todas estas empresas entram por confiança, só há papéis e e-mails. Trabalhamos na confiança de que cada um vai fazer a sua parte. Se o tipo da cerveja falhar, danou-se. Se o segurança da porta falhar, danou-se! Continua a encantar-me a maneira como tudo funciona. Todos nós dependemos de pessoas. E são 80 mil pessoas que vão ao festival que vão sentir emoções, e nada disso dá para antever. E nenhuma edição é igual à outra.

As grandes novidades desta edição

O que é que os festivaleiros podem esperar de novo este ano?
A maior revolução deste ano é o espaço novo. 

Foi difícil tomar a decisão de mudar de espaço?
Foi difícil até chegar aqui. Quando o presidente Carlos Moedas me convida para vir conhecer o espaço já nas vésperas da jornada, senti um calafrio. As imagens que eu via era como se o parque fosse plano e eu só pensava como é que eu lhe ia dizer que não havia a menor possibilidade de sairmos da Bela Vista. Vim aflita. Mas foi pisar no parque e pensar: “Agora quem está com um problema sou eu”. Achei divinal. Tem as inclinações perfeitas, o facto de estar perto do rio tem uma energia indescritível, e tem a ponte como cartão-postal da cidade de Lisboa. Trabalhámos dois meses até eu poder ligar ao presidente e dizer “vamos lá”! Fazer 20 anos a olhar para o futuro é maravilhoso! 

Quais são as grandes vantagens do Parque Tejo?
O parque é muito maior do que a Bela Vista. A parte que nós vamos usar para a Cidade do Rock tem mais 30 mil metros quadrados para o público passear. Vamos ter mais 40 por cento de casas de banho, que era um pedido do público, mas na Bela Vista não havia espaço para colocar. Na Bela Vista, pessoas com pouca mobilidade chegavam a uns pontos, mas não chegavam a outros, e nós não tínhamos como viabilizar a situação. Aqui, 90 por cento do parque é acessível. Pudemos fazer crescer os palcos e isso significa ter artistas de maior peso. A oferta musical este ano vai estar muito mais robusta. A Rock Street volta com as suas lojinhas, a roda-gigante volta com um tema supergiro. Vamos ter dois espaços novos: um em que vamos trazer todo o conceito da campanha, que fala de valores, do convite que fazemos para construirmos um mundo melhor; e outro, da Rota 85, porque estamos a fazer 40 anos do nascimento do projeto no Brasil, e onde vão ser mostradas imagens dos 40 anos e dos 20. E vamos ter um megaespetáculo, todos os dias, para celebrar os 20. É um espetáculo de vídeo mapping no Palco Mundo. Vai ser incrível. 

E o Palco Mundo não será na pala…
Não será. A pala é o ponto mais alto do parque e o Palco Mundo vai estar lá em baixo, perto do rio, virado para a inclinação que sobe para a pala e de costas para a ponte. Fica uma imagem lindíssima. Nós aproveitámos essa inclinação para que seja confortável para as pessoas grandes como eu assistirem aos concertos [risos]. A tenda VIP passa a estar mais próxima do palco, os convidados podem assistir aos shows. Na entrada do parque está o Palco Galp, também de costas para o rio, e passa a ter mais do dobro do tamanho do que tínhamos na Bela Vista. No dia 22 [de junho] vamos transmitir o jogo de Portugal, vamos torcer pela Seleção aqui dentro, e vamos ter muitas brincadeiras ligadas ao desporto. Ah… o slide também volta.

A surpresa dos Xutos & Pontapés

Ao longo destes 20 anos há algum artista que a tenha surpreendido?
Houve de tudo [risos]. Pela positiva, destaco o impacto dos Xutos. Eu não os conhecia e lembro-me da minha surpresa quando eles estavam a tocar e a Bela Vista saltava, do primeiro ao último festivaleiro na plateia. Outro que me marcou muito foi Bon Jovi, eles não se calam um minuto. O show teve um nível de energia gigante. Marcou-me muito. 

E nos momentos menos bons, quando as coisas não correm conforme o esperado, o que faz?
Ponho o pé no chão e racionalizo. No geral, eu funciono bem nesses momentos de desafio. Graças a Deus, nunca tivemos uma situação grave. Mas a Ariana Grande cancelou à meia-noite da véspera. Os Korn saíram do palco. 

A Amy Winehouse foi um desafio?
Não foi. Ali não havia nada que pudéssemos fazer. Tal como a Hannah Montana que virou Miley Cyrus naquele show. É responsabilidade do artista. Com os Korn ficou a dúvida se a culpa era dele ou do festival. Se o artista tem um ataque e vai embora, isso é problema dele. E com os Korn não ficou claro e nós tivemos de explicar às pessoas. Dentro de um festival não podemos pedir um bilhete de volta se um artista se foi embora. Com a Ariana Grande nós precisávamos de avisar as pessoas que não podiam vir ao festival se quisessem o bilhete de volta, que não podiam entrar. A produção não dormiu e produziu 400 placas para enfiar no metro, no táxi, porque não deu tempo para avisar. Já não havia canal de TV ou rádio àquela hora que pudesse avisar.

Quem gostaria de trazer cá, mas ainda não teve possibilidade?
Pink. Vou ficar muito frustrada se ela vier e não for connosco. Os fãs portugueses estão à espera há muito tempo. Eu adoraria.

Daqui a 20 anos gostava de ver os seus filhos, Lua e Theo, numa organização do Rock in Rio?
Não penso nisso. Fora aquele empurrãozinho final para eu entrar no Rock in Rio, eu descobri a minha paixão pela organização de eventos por mim mesma. Eu espero que eles descubram qual é o talento e a paixão deles. Que sejam felizes e tenham saúde. 

Voltar ao Parque da Bela Vista pode acontecer?
Claro que pode. Agora vamos experimentar. A câmara está a trabalhar no projeto futuro deste parque. O importante é que a cidade tome a decisão de qual a vocação tanto do Parque da Bela Vista como do Parque Tejo. Nós adaptamo-nos. A relação com os moradores está maravilhosa, com as cinco juntas de freguesia também, além da Câmara Municipal de Lisboa e da Câmara Municipal de Loures. Mas claro que não é igual se acontecer um festival desta dimensão a toda a hora. Se eu tivesse de apostar, acho que não saímos daqui.

O que é que os festivaleiros podem esperar para os próximos 20 anos?
Sempre inovação. E a alegria que queremos dar às pessoas e a esperança de que podemos construir uma sociedade melhor quando estamos em sinergia. Desejo que possamos ser eternamente um laboratório de como o ser humano é do bem e de como as coisas podem ser sempre melhores.

Leia mais: Rock In Rio – Lisboa ‘invadida’ por camiões? Não se assuste, está a chegar o maior festival de verão

Texto: Andreia Valente; Fotos: Impala

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