Fazes-me falta

Foste-me roubado e deixaste a fasquia demasiado alta para qualquer outro homem. Esta noite sonhei contigo. Estavas igual. Fazes-me falta.

Fazes-me falta

Acho que a tua morte me fez ficar dividida entre o acreditar que num acaso a vida me devolve o que senti naqueles meses contigo ou em render-me que o resto depois de ti será sempre medíocre. Deixaste-me cá entre pessoas na maioria mais mortas por dentro do que tu que afinal morreste mesmo. Quando o mundo me dói sinto a tua falta. A falta da tua leveza, do teu sorriso sem motivo, dos teus rasgos entusiastas em que tornavas fantasias em momentos reais.

Continuas a fazer-me sorrir, aí do céu, ou do emaranhado de estrelas onde por certo vives, entre aquele conjunto de estrelas que um dia elegemos juntos como nossas, de forma a estarmos sempre perto um do outro, quando estávamos longe. «Quando tiveres saudades minhas olha para aquele conjunto de estrelas e saberás que também as vejo», dizias. Eras incurável nessa tua forma de romantizares tudo. Foste tu quem me ensinou o que era poder viver com as barreiras em baixo, sem muros, sem escudos.

Deixaste a fasquia demasiado alta para qualquer outro homem. Fazes-me falta

Pergunto-me muitas vezes, ainda passado estes anos todos, qual o propósito de tudo o que aconteceu. Foste-me roubado, arrancado de uma forma tão brutal que tudo é agora vivido por mim de forma frágil, insegura. Fizeste, dizias tu, «trinta por uma linha» para que me rendesse a ti e desapareceste de seguida. No dia em que morreste morreu uma parte de mim contigo. Deixaste-me cá com as memórias que criámos juntos e sei que todas elas são boas, aquecem-me o coração nas minhas noites tristes. E há momentos, confesso, em que dava tudo para voltar para aquela noite em que sentada no capô quente do teu carro, com os pés desnudos, te chamava louco por estares a atirar sonhos a dois a cada pedrinha que fazias saltitar desde a margem do rio Lima.

Foste-me roubado e deixaste a fasquia demasiado alta para qualquer outro homem. Esta noite sonhei contigo. Estavas igual. Sorriso imaculado com galáxias verdes a dançarem-te nos olhos. Fazes-me falta.

Eunice Gaspar é jornalista da Nova Gente
Eunice Gaspar é jornalista da Nova Gente

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