«É preciso ser-se generoso para amar alguém»
É difícil curarmos o amor-próprio. Medicamos o amor-próprio, tapamos as feridas com pensos, fingimos que ele está bom, que a febre desceu.
Como disse Sartre um dia, é preciso ser-se generoso para amar alguém. Acho que a generosidade se perdeu. Foi-se desgastando ao longo dos tempos. Conheço poucas pessoas generosas, das que dão sem esperar em troca. Porque sim, porque a certo tempo todos temos a egoísta necessidade de cobrar. Não devíamos. Cobrar é feio. Somos humanos, todos somos feios de vez em quando.
Em alguns momentos, incapazes de controlar o feio em nós, ficamos perante o abismo daqueles momentos que tememos – em que estamos perdidos nos detalhes que a nossa memória tem o condão maquiavélico de nos obrigar a recuperar de vez em quando, em que nos colocamos em causa. Colocamos o Amor em causa. E o Amor não deveria ser posto à prova. Quando isso acontece, tristemente, na maioria das vezes, o Amor acovarda-se. É prepotente e brutal, como o acusou Shakespeare.
«É difícil curarmos o amor-próprio. Medicamos o amor-próprio, tapamos as feridas com pensos, fingimos que ele está bom, que a febre desceu» – Eunice Gaspar, jornalista da revista Nova Gente
E quando o amor se torna prepotente e nós, pela nossa teimosia cega de o querermos manter amor, ficamos com o amor-próprio doente. É difícil curarmos o amor-próprio. Medicamos o amor-próprio, tapamos as feridas com pensos, fingimos que ele está bom, que a febre desceu. A seu tempo, ele nem tem marcas de doença, julgamos. Até nos conseguimos, de certa maneira, por mais uma série de momentos, mantê-lo aparentemente saudável. Mas a cura só dura até o amor voltar a ser brutal e prepotente, até ser posto outra vez à prova e falhar novamente. Até nos voltar a rebentar na cara.
Ver o que chamamos de amor falhar é das coisas que mais custa. Seria-o mesmo? Quando o amor se acovarda e a memória nos obriga a recordar detalhes, o amor-próprio fica doente e não nos restam muitas opções. Escolhemos voltar a usar os medicamentos, os pensos rápidos que só estancam a hemorragia e a esperar que a febre desça ou optamos por nunca mais voltar a pôr o amor à prova, para não o vermos falhar e não termos de tomar nós uma decisão prepotente ou brutal, daquelas que vemos o amor tomar. E decidi, caso não tenham dado conta, a meio deste texto que o Amor passou para amor. Afinal, é mesmo assim que se escreve, quando não é ele quem começa uma frase.
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