Falámos com Sandra Felgueiras sobre o documentário de Maddie. «O Gonçalo Amaral mentiu-me»

Sandra Felgueiras participa no documentário da Netflix que conta ao pormenor o desaparecimento de Maddie McCann. A jornalista acompanhou o caso desde o primeiro dia.

Falámos com Sandra Felgueiras sobre o documentário de Maddie. «O Gonçalo Amaral mentiu-me»

A série documental O Desaparecimento de Madeleine McCann, lançada pela Netflix, que conta com informações e depoimentos recolhidos em Portugal, tem a participação de Sandra Felgueiras. A relação da jornalista da RTP com o caso de Maddie prende-se desde o primeiro dia. Sandra Felgueiras acompanhou esta história, esteve no Algarve durante três meses, fez longas horas de direto e inúmeras entrevistas «polémicas, à época», ao casal McCann, tanto na Praia da Luz como em Inglaterra.

O Portal de Notícias falou com a jornalista. A repórter revela-nos pormenores daquilo que se viveu no local do desaparecimento de Madeleine McCann. O mistério em torno do paradeiro da criança «torna esta história viral». «Enquanto não soubermos a razão e a pessoa que levou Maddie, vamos ter sempre história. Não há, para já, explicação para o que aconteceu num dos sítios mais tranquilos de Portugal», revela.

Sandra Felgueiras estava na RTP e, de repente, é «surpreendida» com a notícia

A jornalista recorda o dia em que soube do desaparecimento de Madeleine. Corria o ano de 2007. Estava na redação da RTP e, de repente, é «surpreendida» com a notícia. «Criança de três anos desapareceu na Praia da Luz. Os pais ingleses deixaram-na sozinha no quarto com os irmãos enquanto foram jantar.» O contorno desta história deixou-a «intrigada».

Sandra Felgueiras só teve tempo de ir a casa buscar uma muda de roupa e seguiu para o Algarve. «Nunca me passaria pela cabeça ficar uma semana no Algarve. Muito menos um mês. E nós [jornalista e repórter de imagem] ficámos três meses», refere. No primeiro dia, «eram apenas quatro ou cinco jornalistas no local». A profissional da RTP recorda-se de ver um casal, Kate e Gerry McCann, «muito emocionado» na primeira declaração em público, perante os média.

«Por favor, se alguém tem alguma informação sobre a nossa filha, diga-nos», pediam os pais de Maddie

«Lembro-me de ter ficado à beira das lágrimas porque em momento algum me pareceu que eles estivessem a mentir. O nosso impulso era, entre todos, o de ir procurar a criança», confessa. «Os jornalistas não queriam apenas reportar. Queríamos, no limite, encontrá-la. Aquilo começou a tornar-se muito angustiante também para nós.»

«Sonhava todas as noites com a Maddie. Eu ‘via-a’ em quase todo o lado»

A envolvência com o caso foi de tal forma que Sandra Felgueiras «sonhava todas as noites com a Maddie». «Eu ‘via-a’ em quase todo o lado.» Numa praia frequentada por muitos ingleses, a jornalista recorda-se de confundir várias crianças com a menina desaparecida. Depressa a Praia da Luz se tornou num epicentro mediático. «Não tenho memória de um caso que tenha provocado tantos diretos e reportagens como este. A imagem que guardo em mim é o aparato mediático.» Quando os pais de Maddie voltam para a cidade natal, Rothley, em Inglaterra, a jornalista acompanha-os. «Não havia espaço na praça de Rothley para pôr as câmaras todas. Nós [jornalistas] disputávamos o local», conta.

No ano em que Maddie desapareceu, 2007, o Mundo não era o que é hoje. Não existiam smartphones e a informação não era tão facilmente divulgada. No entanto, Sandra foi reconhecida por uma equipa de repórteres de Tóquio que quis entrevistá-la. «O repórter de Tóquio sabia quem eu era, porque tinha visto as entrevistas aos McCann», explica.

Sandra Felgueiras, à data, na Praia da Luz

Ocultação de informação e arquivamento do caso. «Gonçalo Amaral mentiu-me»

Três meses depois do desaparecimento de Maddie, chegam a Portugal dois cães que farejavam sangue e cadáver. A Polícia iniciou uma operação com os animais no apartamento de onde a menina terá desaparecido e no carro alugado pela família McCann. Os cães deram, em simultâneo, sinal no quarto dos pais da criança e na bagageira da viatura. Perante esta evidência, Gonçalo Amaral, primeiro coordenador operacional da investigação, assume esta sinalização dada pelos cães como uma pista «inequívoca». Maddie tinha morrido atrás do sofá por acidente e os pais tinham-na transportado na bagageira do monovolume Renault Scenic.

Para que esta operação realizada com o auxílio dos cães seja válida é necessário ser sustentada por análise científica. A tese de Gonçalo Amaral carece de confirmação pelas análises pendentes no laboratório de Birmingham. Quando os resultados preliminares chegam, o inspetor informa Sandra Felgueiras de que «havia correspondência ao ADN de Maddie». «Em 20 alelos possíveis, cinco tinham sido detetados no apartamento e 17 na bagageira do carro». A jornalista confirmou, com médicos legistas, se perante este resultado a probabilidade de corresponder a Maddie era viável. «Todos responderam que sim, que a probabilidade era alta.»

Sandra Felgueiras avança. «Com base nesta informação, que o Gonçalo Amaral me deu, e sabe que deu, eu confiei», afirma, e deu a notícia

Em julho de 2008, contudo, a jornalista tem acesso ao processo que, até então, era segredo de Justiça. «Quando vou ver o resultado preliminar, de que Gonçalo Amaral me falou, e que o levou a constituir os McCann como arguidos, vejo que o último parágrafo dizia que, apesar de existirem 17 alelos em 20, a amostra era tão insignificante e pequena que havia várias pessoas no laboratório com a mesma identificação genética. Pelo que esta evidência não poderia ser considerada relevante», explica. Sandra Felgueiras sente-se «profundamente enganada». Este parágrafo era determinante para abalar tudo o que se tinha feito antes. «Em momento algum Gonçalo Amaral me disse que a amostra era tão pequena e criminalmente irrelevante», frisa.

Inquérito fechado por falta de evidências

O inquérito é fechado por falta de evidências que o coordenador da investigação garantiu que eram seguras. Sandra Felgueiras realiza nova reportagem, onde explica todo o processo e tudo quanto se tinha passado.

«Aquela PJ liderada por Gonçalo Amaral não estava preparada e não quis reconhecer isso», afirma a jornalista da RTP

A chegada da Polícia quatro horas depois do desaparecimento de Maddie, que permitiu que dezenas de pessoas acedessem ao quarto sem qualquer restrição, e o fecho das fronteiras apenas 48 horas depois, tempo a partir do qual um desaparecimento em Portugal é constituído crime, dificultaram as investigações. Em tese de rapto, nestas circunstâncias a Polícia poderá ter perdido a oportunidade de capturar qualquer suspeito. «A PJ estava mergulhada num circo mediático mundial que a pressionava a ter de ter uma resposta e a única que podiam arranjar era uma que desviasse os crimes para os pais.» Através dos resultados preliminares, as Autoridades transitam do rapto para o homicídio.

O «segredo» que o casal McCann carrega

Nas primeiras entrevistas ao casal McCann, Sandra Felgueiras lembra-os como «um casal desesperado à procura da filha». O facto de os amigos do casal não quererem falar com os jornalistas e de os pais de Maddie só falarem mediante certas circunstâncias e sem serem inequivocamente esclarecedores leva a jornalista a acreditar que o casal esconde um segredo. «Acho que o casal esconde um segredo. Não sei qual, mas eles nunca disseram toda a verdade.»

Sandra Felgueiras refere que não sabe se esta verdade é determinante para se conhecer o paradeiro da criança. Mas sempre que a jornalista fazia uma pergunta, como, por exemplo, quer saber por que deixaram as crianças sozinhas, a resposta é sempre interpretada com hostilidade e sem objetividade. «Eles efetivamente foram negligentes e nunca foram punidos por isso. Essa é uma grande culpa que eles carregam.» A partir de então, Sandra percebe que o casal podia apresentar uma certa frieza a responder a determinadas perguntas por «se sentirem culpados por terem deixado a criança sozinha».

Os McCann «carregam um enorme sentimento de culpa e um grande segredo»

«Hoje olho para eles e acho que carregam um enorme sentimento de culpa e um grande segredo». Sobre a dimensão do segredo e o impacto que este tem no desfecho da história, a jornalista não sabe. Mas, «enquanto mulher, mãe e jornalista, gostava que Maddie estivesse viva». No entanto, Sandra Felgueiras não se atreve a «responder ao que» desconhece.

Texto: Jéssica dos Santos | WiN; Fotos: Impala e D.R.

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