Tawida, o rosto das viúvas moçambicanas despojadas ilegalmente dos bens da família

Tawida Ali ficou viúva aos 31 anos, mas isto seria apenas o início do pesadelo. A família do marido tirou-lhe carro, casa e dinheiro, em nome de uma tradição que viola os direitos de muitas mulheres moçambicanas.

Tawida, o rosto das viúvas moçambicanas despojadas ilegalmente dos bens da família

“Naquela noite perdi o meu marido, a pessoa que amei e que me amava. A única pessoa que era minha família. Também percebo agora que perdi tudo o que nós conquistamos”, conta à Lusa a viúva, entre lágrimas e soluços.

A história de Tawida é uma entre milhares em que mulheres moçambicanas perdem todo o património pelo casal após a morte do marido, sobretudo quando a relação não é oficializada e o casal não teve filhos, numa violação flagrante da legislação, que classifica como uma união de facto quando o casal vive no mesmo espaço por mais de três anos.

No caso de Tawida, a relação durou quase quatro anos, período durante o qual o casal investiu em diversos projetos, com destaque para um ginásio e uma empresa de microcréditos.  

“No mesmo dia em que ele morreu, eles [a família do marido] levaram-me tudo. Os cartões [de crédito], as chaves do carro e até dinheiro que tínhamos em mãos, alegadamente para suprir as despesas fúnebres”, afirma.

Segundo Tawida, além de lhe ter tirado o património, a família acusou-a ainda de ter sido responsável pela morte do marido, um homem aparentemente saudável, de 34 anos.

“Eles foram capazes de promover uma reunião para me acusar de ser culpada da morte do meu marido. Não me deixaram sequer ter o resultado da autópsia. Recentemente, pedi ao tio dele que me enviasse o bilhete de identidade do meu marido e fui ignorada”, acrescenta.

Embora as lembranças de um “amor intenso” estivessem estampadas na casa arrendada onde viveram nos últimos quatro anos, Tawida não conseguia mais dormir na mesma cama em que o seu parceiro morreu e, por isso, pediu para se mudar para um outro imóvel próximo ao ginásio que o casal tinha, mas a família do marido rejeitou essa hipótese.

Sem dinheiro, Tawida viveu os últimos meses à mercê da boa vontade de alguns amigos, que a acolheram até conseguir um emprego e uma nova casa arrendada.

“Perdi o meu marido e tudo o que nós tínhamos. Mesmo o carro que nós tínhamos já foi vendido. Percebi que eu estava sozinha”, frisa.

Em Moçambique, os direitos de Tawida e de milhares de mulheres que se encontro nesta situação são protegidos pela Lei da Família e pela Lei contra Violência Doméstica, além da própria Constituição da República.

Mas apesar da existência de um quadro normativo agora forte, desde as revisões legislativas de 2004, a implementação continua um desafio, sobretudo no meio rural, fortemente influenciado por hábitos e costumes de comunidades de linhagem patriarcal.

“A grande situação indecorosa e triste é quando é o homem que morre […] a família vem e quer ‘abocanhar’ os bens. Querem saber onde estão os cartões ou as chaves do carro”, diz à Lusa Lídia Romão, advogada de uma coligação de organizações da sociedade civil designada Fórum Mulher, que trabalha no setor.

A divulgação da legislação continua a ser a melhor estratégia para travar situações similares, uma solução que exige o envolvimento de todos os segmentos da sociedade, sobretudo no meio rural, prossegue a advogada.

“A legislação existe, mas as pessoas ignoram-na. Mas há um tratamento próprio para todas estas situações. Além da Constituição e outros instrumentos normativos, os direitos das mulheres são protegidos por convenções internacionais de que o país é signatário”, acrescenta.

Enquanto no terreno as soluções não chegam, Tawida tenta hoje recomeçar a vida, só com o que resta de “boas memórias” da vida com o seu falecido marido.

Hoje é locutora num programa de rádio na capital moçambicana e, apesar do luto e dor que ainda carrega, Tawida esforça-se diariamente para manter as manhãs dos seus ouvintes “alegres”.

“Eu sou cristã e a esperança, para um cristão, é algo inabalável”.

*** Serviços áudio e vídeo disponíveis em www.lusa.pt ***

*** Estêvão Chavisso (texto e vídeo) e Luísa Nhantumbo (fotos), da agência Lusa ***

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By Impala News / Lusa

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