No pátio da escola do Chiùre brinca-se para esquecer dias de fuga a pé

No pátio da escola de Namicire, vila de Chiùre, as crianças brincam sem preocupações num sábado sem aulas, que não têm, e num sítio que passaram a conhecer após dias a caminhar para fugir aos ataques terroristas em Cabo Delgado, Moçambique.

No pátio da escola do Chiùre brinca-se para esquecer dias de fuga a pé

“Vim com muita gente. Cheguei eu com cinco crianças”, explica à Lusa Emiliano Najuelawaya, 45 anos, que caminhou a pé durante cinco dias, logo depois de um ataque, no início da semana, à aldeia de Ntonhane, no posto administrativo de Chiúre-Velho.

“Cinco dias a caminhar porque é uma distância de 37 quilómetros”, descreve hoje à Lusa, depois de deixar os campos agrícolas para trás e chegar à escola transformada em centro de reassentamento, com algumas tendas e centenas a vaguear à espera de ajuda.

Agora instalado nas poucas tendas já montadas no pátio da escola, relata que só na sua aldeia morreram “mais de cinco pessoas”.

“Balas, atrocidades, ameaças, mortos. Tivemos de fugir”, diz, enquanto as crianças brincam, logo ao lado, com carrinhos de rodas improvisados com bambu, outras à típica neca, desenhada no chão, ou simplesmente à corda, não fosse aquele o pátio de uma escola moçambicana como tantas outras.

Como muitos outros ali, Emiliano ainda está “sem comida e sem roupa”, ou mesmo lonas para abrigar toda a gente. Mas pelo menos conseguiu reunir a família na vila de Chiùre. Outros, da mesma aldeia, preferiram fugir para sul, para Nampula, cruzando a nado o rio Lúrio, que separa da província de Cabo Delgado.

“Queriam ultrapassar o rio e não conseguiram nadar. É o tempo chuvoso, não conseguiam nadar, morreram muitas crianças”, afirma.

Emiliano foi um dos perdeu a casa às mãos dos insurgentes num conflito que ainda não conseguiu entender: “Eles não dizem o que querem. Se querem ganhar, se querem a independência. Só queimam casas, queimam motas. Não estamos a perceber o que eles querem”.

“Só se consegue fugir com as crianças no colo, crianças a pé. Não tinha como”, conta, angustiado.

No pátio da Escola Primária Completa (EPC) de Namicire multiplicavam-se este sábado as filas para registo de deslocados que continuam a chegar.

Nas últimas semanas têm sido relatados casos de ataques de grupos insurgentes em várias aldeias e estradas de Cabo Delgado, inclusive com abordagens a viaturas, rapto de motoristas e exigência de dinheiro para a população circular em algumas vias.

O grupo extremista Estado Islâmico (EI) reivindicou recentemente a autoria de um ataque terrorista em Macomia, em Cabo Delgado, e a morte de pelo menos 20 pessoas, um dos mais violentos em vários meses.

A província de Cabo Delgado enfrenta há seis anos alguns ataques reivindicados pelo EI, o que levou a uma resposta militar desde julho de 2021, com apoio do Ruanda e da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos do gás.

Bahari Ali Cassimo é vereador da Planificação, Administração e Finanças na autarquia da Vila de Chiùre, que desde o início dos ataques insurgentes, em 2017, recebe deslocados de toda a província de Cabo Delgado.

No entanto, nunca de tão perto até agora, já que os ataques surgiram nos últimos dias a poucos quilómetros da vila.

“Agora estão a vir de muito perto. De muito perto mesmo, porque aqueles vizinhos [dos postos atacados] também se estão a refugiar aqui na vila”, relata o autarca, há cinco anos vereador e empossado recentemente para o segundo mandato.

Ainda sem levantamentos definitivos, Bahari Ali Cassimo diz que a autarquia estima que fugiram para a Vila de Chiùre nas últimas semanas “mais de 13.000 pessoas”, numa localidade que antes tinha 75.000 habitantes.

“Muita pressão mesmo, porque não temos como ajudar”, desabafa, deixando o apelo: “Nós precisamos de toda a ajuda humanitária que existir, é bem-vindo”, acrescenta.

No mesmo pátio da escola, algumas mulheres passam o tempo, no abrigo da sobra, a pilar mandioca seca ou preparam uma panela de feijão jugo que tem de chegar a várias bocas, como Zenidia Eurico.

Com 29 anos, deixou a aldeia onde vivia, no posto administrativo de Mazeze, e caminhou dois dias sem parar, até chegar à escola de Namicire, uma das três na vila de Chiùre que estão a receber a população deslocada mais próxima.

Caminhou com mais cinco pessoas da família e deixou tudo para trás.

“Começaram a lutar, a estragar casas, o hospital, a igreja de um padre. Nós tivemos de fugir”, conta.

“Não tenho nada. Vim aqui, estou a sofrer”, desabafa, garantindo que ao fim de uma semana a ajuda ainda não chegou à família.

PVJ/RYCE // VM

By Impala News / Lusa

Impala Instagram


RELACIONADOS