Colégio Académico | Aqui não há manuais e os alunos plantam legumes durante as aulas

Os manuais escolares são substituídos por iPads, os testes são adaptados consoante o nível de dificuldade de cada aluno e a componente emocional também faz parte do horário curricular, com aulas de educação emocional.

O Colégio Académico lecciona desde 1926 e segue diretrizes opostas ao ensino tradicional. Aqui, os estudantes – do quinto ao nono ano – não sabem o que é estar sentado à secretária a ouvir o professor a debitar matéria. Em vez disso, formam grupos e fazem projetos. No final, apresentam-no à turma e retiram conclusões. A componente emocional também faz parte do horário curricular, com aulas de educação emocional. Os manuais escolares são substituídos por iPads e os testes são adaptados consoante o nível de dificuldade de cada aluno.

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Situado na Avenida da República, em Lisboa, o estilo clássico da fachada não dá para perceber que se trata de uma escola, mas a bandeira a dizer «Colégio Académico» denuncia-o. À entrada está uma secretária e um vão de escadas. No primeiro piso, encontra-se o gabinete do diretor, Duarte Paiva, e um corredor pintado com cores garridas. Pelo caminho vêem-se casacos e mochilas penduradas. E alguns skates no chão.

Duarte Paiva recebe-nos no gabinete e, enquanto se apresenta, ouve-se um barulho vindo do canto da sala. É a cadela do diretor que o acompanha todos os dias para o colégio e faz as delícias dos alunos, que a vêm cumprimentar ao longo do dia. Duarte Paiva conta a história da instituição, enquanto faz uma visita guiada. O Colégio Académico foi criado pelo seu bisavô e foi passando de geração em geração. Em 2011, assumiu o cargo de diretor e desde então que tem implementado mudanças «para que os alunos gostem de vir para a escola, não para estar com os amigos, mas pelo gosto em aprender».

Em termos práticos, o primeiro grande passo foi há seis anos com a introdução dos iPads. «Todos os alunos têm um – comprado pelos pais – e permite-nos desenvolver aprendizagens ativas. Os manuais têm cada vez menos uso. Os professores trabalham os seus próprios temas e decidem o que querem leccionar».

As tardes dos projetos

O sistema de ensino do Colégio Académico está assente em dois pilares de projeto. O da disciplina, que é pensado pelo professor, que transmite a cada grupo de estudantes o que vão estudar durante quatro a cinco semanas. No fim, é feita a apresentação do tema em sala de aula. Nas tardes de projeto – às terças e quintas – os temas e os grupos são livres. «Não existe o conceito de turma. Os grupos são constituídos por alunos de diferentes idades e o tema é sugerido pelos mesmos». Cada projeto tem um tutor e, todas as terças e quintas, o grupo tem de mostrar o que está a ser feito, «como se se tratasse de uma tese». A apresentação é feita nas tardes de minicongresso, durante 15 minutos em diferentes salas e à mesma hora. Depois disso, cada aluno escolhe o que quer ver. De seguida,  é feita a autoavaliação, a apreciação por parte dos colegas e dos professores. «Os grupos nunca se podem repetir, para que aprendam a trabalhar com todos».

No Colégio Académico, os testes têm cada vez menos peso

Passamos pelo laboratório, sala de meditação, de música, de educação visual e uma outra com objetos antigos e animais embalsamados. No Colégio Académico, cada sala pertence a uma disciplina «para que o professor tenha sempre ao dispor os seus materiais e para que os alunos possam trocar de ambiente e quebrar a ideia de ser uma planta da sala, em que estão sempre sentados no mesmo sítio».

Paramos em frente à sala de Geografia. Os alunos estão a corrigir os testes uns dos outros. «Estas provas não contam para nota. É apenas uma forma de o professor perceber se os alunos estão a perceber a matéria e em que nível se encontram», explica Duarte Paiva. «Tentamos tirar o peso dos testes. A avaliação não depende em exclusivo de uma prova que avalia apenas a capacidade de memorizar em vez do conhecimento». O diretor fala em «tática do despejo». «Se os temas forem trabalhados em sala de aula, o aluno pode ficar a saber mais ou menos, mas alguma coisa fica retida».

Quando Duarte Paiva abre a porta, para pedir autorização ao professor para tirarmos uma fotografia ao ambiente de sala de aula, os alunos recebem-no com entusiasmo. Um dos jovens até se levanta para ir abraçá-lo. O diretor sabe o nome de cada aluno. «Somos uma família. Alguns já tiveram cá os irmãos e acabo por acompanhar o seu crescimento». Terminamos a visita no pátio, onde há um campo de futebol e uma horta improvisada em vasos de madeira. «Os alunos plantam legumes durante as aulas para que possam ser posteriormente usados na cozinha», explica o diretor.

Aulas de Educação Emocional fazem parte do plano curricular

Além destas atividades, a educação emocional e o mindfulness também têm destaque, desde o ano passado, no Colégio Académico. Patrícia Barradas dá formações aos professores e introduz sessões de relaxamento no início de cada aula. Nas de educação emocional são trabalhados temas como o respeito, a aceitação, a comunicação, o amor e a partilha. São também realizadas atividades como aquela que está a ser agora preparada: ir para rua dar abraços grátis. «Para trabalhar a capacidade empática dos alunos, ao abraçarem alguém que não conhecem, e para aprenderem a lidar com a rejeição e vulnerabilidade».

Patrícia Barradas refere que «nem todos os alunos aderem a esta prática», mas «o importante é respeitarem o espaço». «A semente fica sempre lá. O aluno pode não querer participar, mas vê os colegas a fazerem e talvez daqui a três anos se lembre e lhe possa dar jeito. É sempre positivo.» A professora tem sempre uma «ideia curricular» do que quer para as aulas, mas adapta-a cada turma. «O que eu quero mesmo é que levem o máximo possível para a vida deles. Podemos ser fantásticos a matemática, mas se depois não conseguimos comunicar e ter empatia, não somos completos». Apesar do ano letivo estar ainda no início, Patrícia já consegue notar «uma maior consciência por parte dos alunos». «O objetivo é ‘picar’ os pontos essenciais. Os alunos têm muita coisa lá dentro, temos de os pôr a pensar».

Colégio Académico «não é uma escola de rankings»

Ana Domingues matriculou o filho no Colégio Académico este ano. É o primeiro da família a frequentar a instituição. Uma falta disciplinar numa aula de educação visual fez a mãe do jovem procurar uma alternativa. «O ensino oficial está cada vez mais desorganizado pela falta de pessoal e método. Noto os próprios professores desinteressados e desanimados». Ana Domingues conheceu o colégio por recomendação de uma professora primária do filho. «Fui pesquisar e gostei do que vi».

Era março, e a maioria dos colégios já tinham terminado os processos de inscrições. «Tive a sorte de encontrar uma vaga aqui e excedeu as minhas expetativas». Duarte Paiva frisa que o Colégio Académico «não é uma escola de rankings». «Somos uma escola inclusiva, todos os alunos têm o direito de cá andar. Não fazemos testes à entrada. Não há processo de seleção. É por ordem de chegada».

A proximidade entre professor e encarregado de educação é uma mais-valia para Ana Domingues. «Tenho o e-mail de cada professor e falo diretamente com eles, caso tenha algum problema. É um contacto mais direto e sem burocracias».

Aqui, os alunos são muito mais do que um número

A individualidade, a criatividade e a liberdade são os lemas pelas quais o Colégio Académico se rege. Os alunos são muito mais do que um número. Questionado sobre se esta familiaridade entre todos põe em causa a disciplina dos alunos, Duarte Paiva explica:  «Quantas mais regras houver, pior é. Muitas vezes o desafio é quebrar a regra. Todos os alunos sabem se estão a fazer bem ou mal». Aqui, «não há alunos na rua. o máximo que pode acontecer é o professor trazer o aluno para o meu gabinete, mas isso raramente acontece».

Texto: Jéssica dos Santos; Fotos: Paula Alveno; WiN

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