Viver em Portugal e a estudar na Ucrânia, à espera de um futuro incerto

Os jovens Artem e Alona são refugiados em Portugal mas nunca saíram da escola ucraniana, à espera que a invasão russa termine para decidirem o seu futuro.

Viver em Portugal e a estudar na Ucrânia, à espera de um futuro incerto

Durante a semana, Artem Sandorskgy (16 anos) e Alona Litovhenco (18) estudam ‘online’ no 11.º ano na sua escola de sempre da Ucrânia apesar de viverem em Lisboa, em fuga da artilharia russa.

A escolha de Portugal foi um acaso, mas Alona quer continuar por cá e já não quer regressar a Sumy. “Nós não escolhemos [o país de acolhimento] mas “estou a gostar muito e quero ficar aqui”, pelo que o objetivo é passar para o sistema de ensino português.

Para já “é difícil conciliar, mas eu preciso de me formar na escola da Ucrânia, terminar o secundário, para depois poder vir para cá e ir para uma Universidade”, explica.

Apesar disso, Alona não tem certeza de que o seu 11.º ano (o máximo do secundário na Ucrânia) seja reconhecido em Portugal. E nem isso a desmotiva. “Se me disserem para voltar para o 10.º ano o que é que eu vou fazer?”

Já Artem Sandorskgy fugiu de Lughansk, no leste do país, e viu os militares russos a ocuparem parte dos sítios que conhecia como seus.

“Quero voltar para a Ucrânia, nasci lá e é para onde quero voltar”, diz, resoluto.

Os dois frequentam as aulas em português da escola ucraniana, dirigida por Iryna Shnayder, em Benfica (Lisboa), um projeto com 18 anos que se readaptou com a invasão russa de fevereiro de 2022.

A escola nasceu para ensinar ucraniano a crianças filhas de imigrantes já nascidas em Portugal, mas agora está a dar apoio a refugiados ucranianos no seu processo de integração.

“Muitos alunos começaram a vir desde o primeiro dia da guerra e nós, na nossa escola, arranjámos uma professora de português para dar apoio”. Mas, “mesmo assim, a língua [portuguesa] é muito diferente e eles vieram muito stressados” pelo que foi também necessário providenciar apoio psicológico.

“Aconteceu tudo muito rápido” e, entretanto, “muitos alunos regressaram à terra porque na Ucrânia ainda há zonas menos perigosas” e muitas das famílias não queriam permanecer separadas, já que os homens adultos tiveram de ficar no país, disponíveis para o serviço militar.

Esta “escola funciona com apoio de uma escola em Lviv e o nosso estudo está de acordo com o programa atual do ministério da educação da Ucrânia”, explica, salientando que a prioridade continua a ser servir os 80 alunos de língua ucraniana.

Entre os refugiados, alguns são professores e a escola ucraniana de Lisboa decidiu aproveitar esta oferta nova de mão-de-obra, muitas vezes sobre qualificada, como é o caso de Ilhor Ostrovskyi, 59 anos, professor universitário de Física em Lviv, que dá aulas ‘online’ para a Ucrânia a partir de Lisboa durante a semana e aos fins de semana ensina matemática a crianças.

“A minha família veio para Portugal, porque o nosso filho tinha problemas e necessitava de cuidados especiais”, mas, depois da guerra, “quero voltar para a Ucrânia e para continuar as aulas com os meus alunos”, afirmou Ilhor Ostrovsk.

O impasse militar está a saturar a opinião pública internacional e o docente tem receio desse impacto. Mas, apesar disso, “penso que a ajuda dos países europeus vai continuar e a Ucrânia vai continuar a combater os soldados russos e no fim vamos vencer esta guerra”.

E, no final, “a Europa vai agradecer-nos por termos ganho”, acrescentou.

Entretanto, “continuo a trabalhar para o desenvolvimento do sistema de ensino na Ucrânia, trazendo a experiência de Portugal”, disse.

Iryna Tolsa, 59 anos, fugiu de Lughansk e a sua cidade foi ocupada pelas tropas russas nas primeiras semanas da invasão.

A professora de inglês veio parar a Portugal “por sorte”, porque uma mulher lhe mandou uma mensagem por telefone e disse que a poderia receber, de modo “completamente desinteressado”.

Logo após a invasão, “estive cá com uma família de acolhimento durante um mês” na sua casa em Lisboa. A professora contou que continua amiga do casal e que os seus netos fizeram amizade com os netos desse casal.

Foi nessa fase que soube da escola ucraniana em Benfica e redescobriu o prazer de ensinar: “Tenho muita sorte porque trabalho nesta escola já que toda a minha vida fui professora. Como poderia viver sem crianças, sem ensinar?”

Em paralelo, durante a semana, dá aulas ‘online’ em inglês para alunos que deixou na Ucrânia. “Sou professora, é tudo o que sei fazer”.

E quando a guerra terminar, o que é que Iryna Tolsa quer fazer? Perante a pergunta, há um silêncio constrangedor de alguém que não acredita no fim da guerra, nem numa vitória ucraniana.

“É muito duro”, limita-se a dizer, preferindo elogiar quem a acolheu. “Portugal é um país muito simpático, muito calmo e as pessoas são muito carinhosas para mim e para a minha família”.

Mais novo, Artem que também fugiu de Lughansk, é mais confiante. “Enquanto nos defendermos, o resultado não pode ser outro que não seja a [vitória da] Ucrânia.

*** Paulo Agostinho (texto), Rui Filipe Pereira (vídeo) e António Pedro Santos (fotos), da agência Lusa ***

PJA // ZO

By Impala News / Lusa

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