Mortágua madrugou e apanhou o 711 com Adelina e Fernanda, mulheres que são “a base do mundo”
Adelina e Fernanda, trabalhadoras domésticas, são “a base do mundo” sem as quais nada avança, mas permanecem muitas vezes invisíveis e sem o reconhecimento devido, numa jornada laboral que começa de madrugada e termina já de noite.

O relógio marcava as 05:20 quando Adelina Fortes, 62 anos, e Fernanda dos Santos, 48 anos, desceram a rua Maria Lamas, na freguesia da Damaia, concelho da Amadora, para mais um dia dividido entre vários postos de trabalho.
Adelina acordou às 04:30 e entra no primeiro trabalho às 06:00, onde ganha cerca de 300 euros. Depois, segue para “a patroa”, antes de regressar a casa.
À sua espera, para apanhar o autocarro 711 da Carris, – o primeiro de três – estava a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, que dedica o terceiro dia de campanha para as legislativas de dia 18 a este concelho da periferia de Lisboa e às dificuldades dos trabalhadores por turnos, como é o caso das empregadas domésticas.
“Nós somos a base do mundo. Porque sem limpeza não há vocês, não há Assembleia, não há o primeiro-ministro. Ninguém tem a limpeza”, salientou Fernanda dos Santos, momentos antes de ser alertada por Adelina que o 711 não ia esperar e que tinham que ir rapidamente para a paragem.
Seguiu-se uma pequena corrida, porque perder o autocarro não é uma hipótese, uma vez que um atraso de minutos pode levar mesmo à perda de salário, que já não é muito. Adelina, no alto dos seus 62 anos, e natural de Cabo Verde, foi a primeira a entrar e chegou mesmo a cansar um pouco a coordenadora do BE, não tão habituada a estas andanças: “Isso é que foi uma corrida”, exclamou Mortágua.
O autocarro arrancou, rumo às Portas de Benfica, e à medida que os minutos iam passando, ainda de noite, muitas eram as mulheres, na sua grande maioria imigrantes, que se iam sentando junto de Adelina e Fernanda.
“Para um país onde se ouve falar tanto de meritocracia, ninguém me convence que alguém tem mais mérito na sociedade portuguesa que uma mulher que se levanta às quatro e meia da manhã e apanha três autocarros para limpar três casas ou três instituições e volta à casa às nove da noite para cuidar dos seus filhos. Esta certamente será a mulher com mais mérito da economia portuguesa”, defendeu Mariana Mortágua.
Uma das bandeiras do BE nesta corrida eleitoral é a defesa dos trabalhadores por turnos, para quem os bloquistas advogam um subsidio obrigatório correspondente a pelo menos 30% do salário base, a antecipação da idade de reforma em seis meses por cada ano de trabalho (até ao limite dos 55 anos de idade), dois fins de semana de descanso, no mínimo, a cada seis semanas de trabalho e descanso de 24 horas entre cada turno.
Além disso, o partido quer que a lei reconheça as trabalhadoras domésticas, “esquecidas na lei ao longo dos anos”, garantindo contratos, descontos para Segurança Social, baixas quando necessário, além de salários compatíveis com o salário mínimo.
“São estas pessoas a quem a extrema-direita diz ‘voltem para a vossa terra’. São estas pessoas que toda a direita espezinha dizendo que não têm mérito para vingar na sociedade e nós queremos dar-lhes voz, queremos dar-lhes visibilidade”, salientou.
Pelo caminho, já no segundo autocarro, o 758, Mortágua deparou-se com uma forte apoiante do PS e de Pedro Nuno Santos. Iolanda Monteiro, também natural de Cabo Verde, levantou-se pelas 04:00 para ir fazer limpezas em Campolide, e só regressará a casa pelas 21:00.
“Vocês têm tacho no parlamento e o meu tacho está aqui”, disse, ao mesmo tempo que erguia um saco das compras com “o pequeno-almoço e frutas”.
Iolanda lembrou que nos próximos dias haverá greve da CP e deixou uma reflexão para os mais desatentos: “Como é que a gente vai trabalhar? Nós não podemos fazer teletrabalho com pá e vassoura, não é?”.
O voto de Iolanda está decidido, será no PS, mas Mortágua levou para o resto da viagem o consolo de ouvir que “fala muito bem”.
A viagem da comitiva bloquista terminou junto à Igreja de Benfica. Adelina seguiu no 729, para a Ajuda, rumo a mais um dia de um “trabalho invisível”, mas tão importante.
ARL // ACL
By Impala News / Lusa
Siga a Impala no Instagram