Biden vai ter de convencer que idade não é problema

O ex-embaixador norte-americano em Lisboa e democrata Robert Sherman considera que a reeleição de Joe Biden para a Casa Branca depende do comportamento da economia e ultrapassar o fator idade face a um Donald Trump “muito energético”.

Biden vai ter de convencer que idade não é problema

Em entrevista à agência Lusa, Robert Sherman, que mantém ligações a Portugal, onde é professor da licenciatura de Filosofia, Política e Economia da Universidade Católica Portuguesa, antecipa uma eleição presidencial nos Estados Unidos “bastante renhida” num “país fortemente dividido”, desvalorizando as sondagens que posicionam o republicano Donald Trump na dianteira.

O antigo diplomata de 70 anos, colocado pelo antigo Presidente Barack Obama na capital portuguesa entre 2014 e 2017, alerta para o alcance nacional das conclusões dos estudos de opinião, quando o sistema norte-americano assenta num colégio eleitoral escolhido por cada um dos estados, que, tal “como o povo, também se encontram divididos”.

Nesse sentido, observa que não se adivinham novidades na maioria dos estados, como no seu, Massachusetts, onde em novembro é esperada uma vitória democrata, ou em Ohio, dos republicanos, “o que significa que 85% dos americanos não terão qualquer papel nessas eleições”.

Mas o mesmo, adverte, não se verifica nos ‘swing states’ (estados-pêndulo, que tanto podem votar no Partido Democrata como no Republicano), apontando os casos concretos de Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Geórgia e Arizona – “e talvez este ano a Carolina do Norte também esteja em jogo”.

“Pode dar para os dois lados, e é por isso que é impossível prever neste momento quem será eleito presidente. O que é claro é que vai ser uma eleição renhida”, segundo Sherman, que acha que pensar-se numa revisão do modelo eleitoral “ainda que anacrónico”, nesta fase “não é realista”.

Uma alteração, explica, implicaria uma mudança na Constituição “muito mais difícil nos Estados Unidos do que em Portugal”, por exemplo, e que certamente mereceria a oposição dos estados mais pequenos, sobretudo daqueles que podem ser decisivos: “É o nosso sistema e vivemos com ele”.

O que estará em causa nestas eleições, em que o democrata Joe Biden tenta ser reconduzido para mais quatro anos na presidência norte-americana, será “um referendo” à atuação da sua administração, e o eleitorado tenderá a fazer a sua avaliação perante as suas condições naquele momento: “Como é que me sinto em relação à minha vida? Estou feliz? Estou satisfeito com a situação no mundo?”.

Apenas algumas pessoas dirão que a sua situação até é reconfortante face aos conflitos que o mundo atravessa, mas, no final, será a conjuntura económica a ditar as escolhas dos eleitores e os preços que vão encontrar no supermercado, comenta, assinalando que a inflação tem subido acima dos salários.

Por outro lado, Robert Sherman recorda que no passado, o democrata Barack Obama (de quem foi apoiante financiador) em 2012 e o republicano George W. Bush em 2004 estavam nesta fase, a sete meses da votação, atrás nas sondagens contra os potenciais adversários nas respetivas reconduções para um segundo mandato, e que é possível que, daqui até novembro, a economia melhore e as sondagens se tornem então mais favoráveis para o atual Presidente, ou, de contrário, “as coisas vão piorar para Biden”.

O facto de agora se tratar de uma disputa entre Trump e Biden, que há quatro anos desalojou o republicano da Casa Branca, isso torna-a também numa “eleição de escolha”, em que as pessoas pensam: “posso achar que Biden é demasiado velho e que está doente, mas será que acho que Donald Trump é demasiado errático e radical para mim?”.

Robert Sherman vê aliás o republicano como “um unicórnio”, na medida em que “as leis da política e as leis da natureza não se aplicam a ele”, face aos múltiplos processos judiciais que enfrenta, incluindo acusações graves de fraude, tentativa de interferir nos resultados das últimas presidenciais e envolvimento no violento assalto ao Capitólio, antecedendo a posse do seu adversário eleitoral, “o que seria uma sentença de morte para qualquer candidato”.

Oito anos depois de ganhar a presidência, segundo o antigo embaixador, Trump continua também a ser visto como um ‘outsider’, de um modo “não muito diferente do que o Chega fez em Portugal”, e alguém que “abana e desafia o sistema”, incorporando as frustrações de uma minoria — “mas não tão minúscula assim” — que se sente deixada para trás.

“Há também o elemento, que continua a existir no nosso país, das pessoas racistas ou homofóbicas, contra a diversidade religiosa e essas pessoas ligam-se umas às outras através das redes sociais e Trump é visto como o seu porta-voz”, aponta ainda, frisando que um candidato republicano não pode ganhar as primárias sem este eleitorado.

E o mesmo se aplica à base de apoio no partido, e neste caso também aos democratas – “embora a situação seja ainda mais grave no que respeita a Trump” – em que os políticos “estão mais preocupados em manter os seus empregos do que em fazer o que é correto”, olhando para os seus desafios eleitorais próprios e pensam: “Bem, se eu não apoiar este tipo, ele vai apresentar um candidato que é um megacandidato à minha direita, que vai conseguir a maioria e eu vou ser afastado”.

Deste modo, Donald Trump “capturou o Partido Republicano e transformou-o numa subsidiária integral do movimento MAGA [Make America Great Again, Tornar a América Grande de Novo]”, o que parece ser confirmado pelas suas vitórias nas eleições primárias, ganhando a nomeação para voltar a enfrentar Biden, cuja administração enfrentou o desgaste de duas guerras com impacto global, a dificuldade de lidar com o problema da imigração, a que se acresce ainda o fator idade.

“É evidente que a maioria das pessoas está preocupada com a sua idade e a pergunta que está a ser feita é: ‘Confiaria o trabalho mais difícil do mundo a alguém terá 82 anos no início do mandato e 86 anos no final?'”, comenta Sherman, assinalando que, ao contrário do que se passa na Europa, os partidos nos Estados Unidos não são fortes, o que leva a que “não haja ninguém, para além da família de Joe Biden, que lhe diga que não se deve candidatar e só no final se irá descobrir se foi um erro”.

O que o Presidente democrata terá de fazer, diz o antigo embaixador, “é convencer o povo americano de que a idade é apenas uma questão de um número cronológico e que ele estará à altura da tarefa e a par das questões”, contra um candidato republicano que, apesar de ser apenas quatro anos mais novo, se apresenta “mais vigoroso e muito enérgico”.

Para Robert Sherman, esta é uma prova de que “a forma como as pessoas veem os candidatos não se baseia necessariamente num número”, recordando que, no discurso do Estado da União perante o Congresso em 08 de março, no qual Joe Biden se focou “mais na campanha do que no país” e surgiu “muito forte no seu pronunciamento”, seguindo depois para visitas a ‘swing states’ e “é isso que ele tem de fazer”.

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By Impala News / Lusa

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