Um ano de pandemia. Regresso ao palco é ainda uma miragem para músicos em 2021

Os músicos portugueses tentam ver uma luz ao fundo do túnel, mas alguns já dão 2021 como mais um ano longe dos palcos, com poucos ou nenhuns apoios e praticamente sem trabalho na área desde março do ano passado.

Um ano de pandemia. Regresso ao palco é ainda uma miragem para músicos em 2021

No último mês, a Lusa falou com alguns artistas, uns em início de carreira outros já consagrados, de vários estilos musicais, para tentar perceber como passaram um ano de pandemia, no qual o setor dos espetáculos foi um dos mais afetados, e que expectativas têm em relação a 2021.

Para Rui Maia (X-Wife e GNR), que desde 2002 vive da música e a ela se dedica por inteiro, as atuações ao vivo representam uma grande fatia da remuneração. Desde o primeiro confinamento, em março do ano passado, até agora ainda teve cerca de meia dúzia de concertos com os GNR.

No último ano, o retorno financeiro que teve foi através da produção de música, faz “alguma em casa”, e alguns DJ ‘sets’ que conseguiu fazer em Lisboa, onde vive.

Fora estas atuações pontuais, os direitos de autor, que recebe todos os anos, e um trabalho para publicidade, que lhe deu “alguma estabilidade financeira”, não recebeu mais nada.

Inicialmente, por opção e porque tinha poupanças que lhe permitiam aguentar-se alguns meses, decidiu não recorrer aos apoios do Governo, e foi acabando por adiar “até este ano”.

“No início do ano pensei que as coisas fossem mais ao sítio, que começássemos a tocar mais, até porque tínhamos uma data de concertos marcados em janeiro e fevereiro, mas agora sim, vou pedir o apoio, porque tem de ser, porque não dá para esticar mais a corda”, contou.

O músico critica o Governo pela forma como trata os trabalhadores independentes: “somos um bocado esquecidos e postos de lado com promessas”.

“Vou vendo as notícias e há estas promessas dos apoios, mas na realidade ainda não está nada exatamente estabelecido, ainda ninguém recebeu nada, com certeza”, afirmou, referindo-se aos apoios anunciados em 14 de janeiro para o setor da Cultura, pela ministra Graça Fonseca.

Rui Maia admite que um plano B já lhe “passou pela cabeça”, mas imagina que “até para arranjar qualquer outro emprego hoje em dia seja complicadíssimo, por causa da situação que o país está a passar”.

Um das soluções, acredita, passa por pessoas como ele terem “direito aos apoios”. “Se contribuímos sempre com os descontos, e as coisas obrigatórias que temos de fazer todos os anos, temos direito a desta vez o Governo apoiar-nos de alguma forma, até 60 ou 70% da população estar vacinada e conseguirmos voltar mais ou menos ao normal”, defendeu.

Tal como Rui Maia, também Chinaskee (Miguel Gomes) tem conseguido fazer trabalhos de produção. Além disso, não ficou “100% sem trabalho” graças a Filipe Sambado, músico que acompanha ao vivo. Com o seu projeto a solo, neste último ano teve um concerto com banda e dois sozinho. “Nunca tinha passado tanto tempo sem tocar”, contou.

Além disso, Chinaskee é também técnico de som no clube B.Leza, em Lisboa, que está encerrado desde março do ano passado.

O músico e produtor, de 26 anos, preparava-se para deixar a casa dos pais no ano passado, “mas é algo que agora já não é tão visível num futuro tão próximo”.

Sem perspectivas de apresentações ao vivo

Com um novo álbum editado recentemente, Chinaskee não tem grandes perspetivas de apresentá-lo ao vivo: “Acho que vai ser mais um ano de produção. Nem que seja mais um ano passado outra vez no estúdio, tenho algumas coisas preparadas, ainda vejo estúdio e produção à frente. Em termos de espetáculos e técnico de som, acho que vai continuar lentinho”.

Também Cláudia Guerreiro, baixista dos Linda Martini, não arrisca uma data de regresso aos palcos. “Não sou a pessoa mais positiva do mundo e ando a dizer há uma data de tempo que só volta alguma coisa parecida com o que tínhamos em 2024”, afirmou.

No entanto, admite que “é possível” que aconteçam concertos pequenos, “se arranjarem espaços como se arranjaram no ano passado tipo a Casa do Capitão [em Lisboa], que tinha concertos pequeninos em que as pessoas estavam longe”.

“É esquisito, é frio, mas é possível. Concertos com muita gente, concertos grandes, não vejo que isso vá acontecer tão em breve”, afirmou.

A vida de Cláudia Guerreiro foi afetada duplamente com os cancelamentos e adiamentos de espetáculos, visto que é casada com um músico, o guitarrista Rui Carvalho (Filho da Mãe).

Com uma “mini empresa” criada, Cláudia e o marido não podem “concorrer a uma série de apoios, porque só dava para empresas que tinham lucro no ano anterior”.

O único que conseguiram foi o apoio destinado a sócios-gerentes, ao qual irão candidatar-se este ano outra vez. “Tivemos, creio, três meses em que recebemos 300 euros cada um”, contou.

Além disso, beneficiaram de uma “distribuição extraordinária que a SPA [Sociedade Portuguesa de Autores] e a GDA [fundação Gestão dos Direitos dos Artistas] fizeram”. “Calcularam as verbas, segundo uma média do que tínhamos recebido nos últimos três anos e adiantaram uma percentagem. O que quer dizer que as distribuições seguintes serão a negativos, para repor esse valor”, explicou.

Cláudia Guerreiro, que é também ilustradora, recebeu ainda o “pagamento adiantado de alguns concertos” dos Linda Martini, que foram sendo adiados, e tornou-se responsável do curso de ilustração da ETIC.

“O Rui, felizmente, está a fazer uma banda sonora para uma curta de animação. É fixe, mas paga-lhe o mês. E não sei como vai ser o mês seguinte. Sabemos que não vamos ter concertos”, disse.

Quando se lhe pergunta se neste último ano lhe passou pela cabeça deixar a música, responde perentoriamente: “Ninguém vai deixar a música, um músico não deixa a música, continua sempre a tocar, nem que seja em casa. […] Os concertos é que nos deixaram a nós, não fomos nós que os deixámos”.

Quanto a tentar arranjar outro meio de subsistência: “Neste momento também não consegues, porque está tudo fechado. […] Temos que arranjar no meio disto, e nesta confusão toda mental, novas maneiras de fazer dinheiro, que não se consegue”.

A vida do músico Alexandre Monteiro (The Weatherman) tem sido passada a “fazer outros trabalhos, mesmo sem ser no ramo da música, para conseguir pagar as contas”.

“A música nunca foi a minha atividade principal. Eu tento encará-la como um ‘hobby’ porque não quero ter esse tipo de pressão de ter que ser a música a ser a minha principal fonte de sustento. Se acontecer, melhor, claro”, partilhou.

Os últimos tempos têm sido para este músico “muito felizes”. The Weatherman foi pai pela primeira vez em junho do ano passado, o que fez com que quase tenha “atirado a pandemia pela janela”.

Além disso, antes de março de 2020 conseguiu “juntar algum dinheiro”, porque tinha planos de editar um novo álbum, que acabou por sair no final de fevereiro, e “foi isso que acabou por” o “safar”. A juntar ao ‘pé de meia’ que fez, recebeu “um apoio da Segurança Social durante alguns meses”.

Por não viver exclusivamente da música, não se considera o melhor exemplo dos problemas que atravessam muitos músicos.

Por outras razões, também o cantor e compositor Toy (António Ferrão) não se considera “o melhor exemplo daquilo que tem acontecido na área da Cultura em Portugal”.

“Tenho tido, felizmente, trabalho. A novela da SIC [‘Amor, Amor’] deu-me trabalho para o ano inteiro, fiz 20 canções — letras, músicas, produção, orquestração. Se calhar eu não seria bem o exemplo daquilo que é o passar mal, neste momento na Cultura portuguesa. São 30 anos de carreira que estão a ser postos à prova e estão a ser recompensados por muita gente que me está a dar trabalho”, contou.

Embora não esteja “a passar mal”, Toy perdeu muitos rendimentos no último ano.

Em 2020, tinha 130 concertos marcados. Em janeiro desse ano fez “um investimento na produção de um novo conceito de concerto”, investindo assim os lucros de 2019.

Depois do dinheiro investido, os 130 concertos foram cancelados. Mas, mesmo assim, teve que pagar IRC e pagamentos por conta.

“Portanto, gastei duas vezes o dinheiro. Gastei o dinheiro que ganhei em 2019 em investimento, e como não o fui recuperar, porque me cancelaram o trabalho, fui ter que me esmifrar de mil e uma maneiras para conseguir pagar o IRC altíssimo e os pagamentos por conta, já para não falar da mensalidade do IRS e da Segurança Social”, lamentou.

Toy defende que o Governo tinha “a obrigação de compensar toda a atividade cultural da mesma forma que compensou o Novo Banco, que compensou a TAP e afins, deveria ter o mesmo cuidado em relação à Cultura”.

“Não houve ninguém que no confinamento não tivesse usado um livro para ler, um filme para ver, um programa de televisão, uma música para ouvir. A Cultura esteve presente todos os dias, para alimentar psicologicamente as pessoas, e este Governo o que fez pela cultura portuguesa não é mau, não é pouco, é ridículo”, afirmou, ressalvando não estar a falar por si, mas “por todos os que fazem parte do setor”.

Nas poucas atuações que teve no último ano — “uns ‘streamings’ para umas empresas, trios elétricos, e atuações na televisão, 5 ou 3% da atividade normal” -, Toy tenta, sempre que possível, levar o pessoal que trabalha habitualmente consigo — músicos, técnicos.

“Não lhes pago fortunas, porque a mim também não pagam fortunas, mas o que me pagam é para dividir, é para partilhar. A partilha é uma palavra muito importante no que estamos a passar”, disse.

Para este ano, tem “imensos concertos marcados”, muitos adiados do ano passado. “Não tenho os 130, terei metade, mas penso que não vou fazê-los todos. Tenho noção que a coisa não será assim tão fácil, que não estará tudo resolvido em abril”.

Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 02 de março de 2020, enquanto a primeira morte foi comunicada ao país em 16 de março. No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência de 15 dias, que previa o confinamento obrigatório e restrições à circulação na via pública em Portugal continental.

 

 

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