Livro “Os putos do PREC” recupera Verão Quente de 1975 nos liceus pela voz dos estudantes

“Os Putos do PREC”, de Pedro Prostes da Fonseca, retrata o período revolucionário em que estudantes lutaram por um “mundo melhor”, transformando as escolas em “barris de pólvora”, jovens esses que, 50 anos depois, continuam a acreditar no ativismo.

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“Os Putos do PREC — Os Estudantes no Verão Quente de 1975”, de Pedro Prostes da Fonseca, publicado pela Guerra e Paz, foca especificamente a ação dos alunos de liceu um ano após a Revolução dos Cravos, a partir da experiência do próprio autor e de entrevistas que fez a quem participou ativamente naquele período tumultuoso da História de Portugal.

“Nunca alguém, que eu tenha reparado, até agora, escreveu sobre o que aconteceu nos liceus – a autogestão, os miúdos com 14 anos já podiam fazer parte dos conselhos de gestão dos liceus, já podiam ter voz nos saneamentos. E tudo isto eu tentei recuperar, através da voz de quem na altura protagonizou ou assistiu a este tipo de situações, somando factos”, contou o autor em entrevista à agência Lusa.

A obra retrata, assim, um período de “aventura”, “aprendizagem” e “descoberta de vida”, em que as escolas secundárias portuguesas estavam em grande agitação, com os estudantes a participarem ativamente na sua gestão e a envolverem-se em intensos debates políticos.

“Aos 14 e 15 anos, viviam para a política. Participavam em medidas de gestão nos liceus ou tornavam-nas impossíveis. Histórias de jovens irrequietos que parecem inventadas à distância de 50 anos”, escreve o autor na abertura do livro.

Os liceus Camões, Padre António Vieira, Pedro Nunes, D. Dinis, D. Pedro V e Passos Manuel, em Lisboa, António Nobre, Alexandre Herculano, Rodrigues de Freitas e Garcia de Orta, no Porto, “estavam frenéticos, com sucessivas reuniões [gerais] de alunos e de professores”, descreve Pedro Prostes.

“Os alunos passaram a fumar dentro das escolas, quando não dentro das aulas e perante os professores; as batas obrigatórias para as alunas, onde as houvesse, foram à vida; nos liceus mais problemáticos, ao grito de [apelo] ‘À porrada!’, saía-se em debandada das salas de aulas para assistir ou participar”.

Foi um período de “excessos e de generosidade”, de aventura, aprendizagem e descoberta, em que os jovens acreditavam na mudança e num mundo melhor, participavam em atividades de alfabetização e de apoio a cooperativas e comunidades desfavorecidas, como relataram à Lusa o coreógrafo Rui Horta e a investigadora Ana Paiva, cujos testemunhos constam do livro, a par de relatos de outras personalidades, como o músico Luís Represas, que fez parte da LUAR – Liga de Unidade e Acção Revolucionária, ou do economista João César das Neves.

Rui Horta, que tinha 17 anos quando se deu o 25 de Abril e frequentava o Liceu Camões, recorda como sentiu o regime a desmoronar-se nos meses anteriores e como se foi politizando lentamente durante esse ano turbulento.

O coreógrafo e bailarino vê esse período como uma “aventura” e uma “descoberta da vida”, e descreve o Liceu Camões como um misto de “educação de muita qualidade com muita repressão”.

Como “havia tensão na escola”, havia também “uma grande libertação nos intervalos e fora da escola”, e uma “das coisas mais engraçadas” era o momento em que os alunos saíam das aulas, com palavras de ordem escritas em folhas A4, e iam pelas ruas a manifestar-se.

“Nós chamávamos a isso ‘ir para casa de Manif’. Era assim, extraordinário, porque depois começava-se a gritar na rua qualquer coisa, e juntava-se logo uma data de gente e abraçava-se toda a gente. Era um país completamente num abraço coletivo. Nunca mais tivemos um momento na nossa história, em que tivéssemos uma epopeia em que nos juntássemos todos, em que houvesse um projeto coletivo como foi nessa altura”, afirma.

Juntamente com outros estudantes, Rui Horta envolveu-se em várias atividades cívicas e políticas, como ensinar pessoas a ler e dar aulas em comunidades desfavorecidas, um período em que se sentia imbuído do espírito revolucionário próprio dos jovens da época e acreditava que “podia mudar o mundo”.

“Havia discussões constantes, discussões políticas acesas, muita leitura, eu li tudo o que havia para ler à minha mão”, conta, recordando que participou nas “reuniões gerais de alunos, nas manifestações, [na ocupação das] antenas da Renascença, na Assembleia, no Patriarcado”.

“Na verdade, eu era um jovem muito aguerrido e tinha uma sensação de profunda utopia, acreditava que o mundo era coletivo, não era um mundo individual. Nós éramos muito generosos”.

Olhando em retrospetiva para o impacto da sua geração na sociedade de hoje, considera que foi “enorme”, que foi uma geração que fez “tudo do melhor e do pior, mas é a geração que construiu a democracia”, que “abriu caminho” depois de a geração anterior ter feito o 25 de Abril.

Rui Horta reconhece que a sociedade se tornou “mais egoísta e autocentrada”, deixou de ter “bandeiras coletivas tão fortes como havia”, mas alerta que “hoje somos convocados a lutar pela liberdade novamente”.

Embora as novas gerações sejam mais digitais e menos envolvidas em atividades coletivas, Rui Horta, “ambientalista convicto”, deposita esperança nos novos movimentos estudantis, especialmente os que estão ligados às alterações climáticas.

“Eu acho que estes novos movimentos são muitíssimo importantes, têm de ser levados a sério, porque eles é que vão viver neste mundo. E eu acho que uma boa dose de desobediência civil faz muito bem nestas idades, e até mais tarde”.

A mesma ideia tem a investigadora Ana Paiva, que começou a desenvolver consciência política entre os 13 e os 14 anos, altura em que se deu o 25 de Abril, muito graças ao Liceu D. Dinis, que frequentava, que tinha um reitor com “ideias muito inovadoras, e recebeu gente expulsa de vários liceus”, o que fez com que os alunos crescessem “mais rapidamente”.

Hoje, olha “de um modo intuitivo”, com “esperança” e “simpatia” para esta nova geração de jovens, alguns com menos de 20 anos, e confessa que se emociona quando os vê a manifestarem-se, a cantarem as músicas da revolução e a envolverem-se em novas causas, as “lutas destes anos”, como “uma maior inclusão social, uma maior aceitação, a aceitação das diferenças de género, a defesa climática”.

Nos tempos do PREC, “havia um grande desejo de liberdade e mudança”, afirma, recordando ter enfrentado várias dificuldades como jovem ativista, nomeadamente quando o seu liceu foi palco de manifestações de jovens pertencentes a movimentos de inspiração neonazi, que resultou em perseguições e agressões.

Apesar dos desafios, vê essas experiências como aprendizagens importantes e muito positivas, como os programas de alfabetização e de apoio a cooperativas no Alentejo, em que participou.

Refletindo sobre o impacto das ações da sua geração na sociedade portuguesa atual, Ana Paiva, que foi uma líder da UEC (União dos Estudantes Comunistas, anterior à atual Juventude Comunista Portuguesa) no liceu, manifesta uma “certa tristeza” por o 25 de Abril poder não ter tanto significado para as gerações mais jovens, e por assistir à emigração de jovens qualificados, mas enfatiza as melhorias na educação, saúde e inclusão social.

Pedro Prostes da Fonseca explicou que a ideia de escrever o livro surgiu por ver notícias “empoladas ou extremadas” de situações que se passam nas escolas, que, comparadas com o que viveu naquela época, “não são nada”.

Além disso, a incredulidade com que certas pessoas o encaram quando conta determinados episódios levou-o a querer recuperar a história, porque se na maior parte dos liceus do país isto não aconteceu, aconteceu nos vários nomeados no livro e envolveu jovens de 15 ou 16 anos, “já com uma boa politização”, maioritariamente por serem oriundos de famílias politizadas e com atividade antes do 25 de Abril.

*** Ana Leiria, da agência Lusa ***

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By Impala News / Lusa

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