Estamos à beira de uma nova guerra entre Índia e Paquistão?
A Índia afirma estar a retaliar o ataque terrorista do mês passado contra turistas, na sua maioria indianos, na Caxemira e o Paquistão alega que os ataques na Caxemira são cometidos por habitantes locais que protestam “contra a ocupação indiana”. Estamos à beira de uma nova guerra?

A Índia realizou ataques militares contra o Paquistão durante a noite, atingindo vários locais na Caxemira paquistanesa e em áreas mais profundas do próprio Paquistão. As autoridades de segurança afirmam que sistemas de armas de precisão, incluindo drones, foram usados para realizar os ataques. O Paquistão diz que pelo menos oito civis foram mortos e muitos outros ficaram feridos.
Embora haja ainda muita incerteza sobre o que aconteceu, “está claro que ambos os lados estão mais próximos de um grande conflito do que estiveram nos últimos anos, talvez décadas”, analisa Ian Hall, professor de Relações Internacionais da Universidade Griffith.
“Já assistimos este tipo de crise antes. Índia e Paquistão travaram guerras em larga escala por diversas vezes ao longo dos anos – em 1947, 1965, 1971 e em 1999”, recorda Hall. “Também houve ataques transfronteiriços entre ambos os lados, em 2016 e em 2019, que não levaram a uma guerra maior.” Estes conflitos foram limitados “porque, como os dois lados possuíam armas nucleares, havia o entendimento de que escalar para uma guerra em larga escala seria muito perigoso”. Foi exatamente isto que “impôs algum controlo de ambos os lados ou, pelo menos, alguma cautela”. “Existiu igualmente pressão externa dos Estados Unidos e de outros países em ambas as ocasiões para não permitir que o controlo fosse perdido.”
Embora “seja possível” que ambos indianos e paquistaneses exerçam agora a mesma moderação, “pode haver menos pressão de outros países para obrigá-los a fazer o mesmo”. Neste contexto, as tensões “podem aumentar rapidamente”. E, quando isto acontece, “é difícil fazer com que haja recuos e as forças beligerantes regressem ao ponto em que estavam antes”, alerta Ian Hall.
Por que atacou agora a Índia?
A Índia afirma estar a retaliar o ataque terrorista do mês passado contra turistas, na sua maioria indianos, na Caxemira fortemente militarizada, que resultou em 26 mortos. Num primeiro momento, a Frente de Resistência reivindicou o ataque, mas retirou posteriormente a reivindicação – o que leva a “alguma incerteza sobre o tema”.
Fontes indianas sugerem que este grupo, relativamente novo, é uma extensão de um grupo militante pré-existente, o Lashkar-e-Taiba, sediado no Paquistão há longos anos. As autoridades oficiais paquistanesas negaram qualquer envolvimento no ataque a turistas. No entanto, “há fortes evidências no passado que sugerem que, mesmo que o governo paquistanês não tenha sancionado oficialmente estes grupos que operam no seu território, há setores do ‘establishment’ ou do exército paquistanês que os apoiam”. Os motivos do alegado apoio “podem ser ideológicos, financeiros ou outras razões”.
Armas e outros equipamentos bélicos “foram adquiridos ao Paquistão” para ataques terroristas anteriores a território indiano. “No de Bombaim, em 2008, por exemplo, o governo indiano apresentou evidências que demonstravam que os atiradores estavam a ser orientados por agentes no Paquistão por telefone.”
Até hoje, no entanto, “não temos nenhuma evidência que comprove que o Paquistão esteja ligado ao ataque a turistas na Caxemira”.
A Índia “pediu repetidamente ao Paquistão que eliminasse estes grupos”. “Embora os líderes tenham sido ocasionalmente presos, foram posteriormente libertados, incluindo o suposto mentor do ataque de Bombaim. As madrassas [escolas religiosas] que há muito são acusadas de fornecer recrutas a grupos paramilitares têm ainda permissão para operar no Paquistão, com pouco controlo estatal.”
Enquanto isto, o Paquistão alega que os ataques na Caxemira são cometidos por habitantes locais que protestam “contra a ocupação indiana” ou por paquistaneses que “agiram espontaneamente”. “Estas duas posições, obviamente, não são verosímeis, de forma alguma.”
O custo político a pagar por não agir
“Fica por saber qual o custo que cada lado está disposto a pagar para aumentar ainda mais as tensões. Do ponto de vista económico, o custo para ambos os lados é muito baixo se um conflito maior eclodir. Praticamente não há comércio entre Índia e Paquistão”, assinala Ian Hall. Nova Deli terá provavelmente calculado que a sua economia em rápido crescimento não será prejudicada pelos ataques e que outros países continuarão a negociar e a investir na Índia. A conclusão de um acordo comercial com o Reino Unido, após três anos de negociações, “reforçará esta impressão”. O acordo foi assinado em 6 de maio, pouco antes dos ataques no Paquistão.
Do ponto de vista da reputação internacional, também “nenhum dos lados tem muito a perder”. Em crises anteriores, os países ocidentais foram rápidos em condenar e criticar ações militares cometidas por ambos os lados. Atualmente, porém, “a maioria considera que um conflito de longa duração é uma questão bilateral, que a Índia e o Paquistão devem resolver entre si”.
Sobra, portanto, a principal preocupação para de ambos os lados – “o custo político que sofreriam se não tomassem medidas militares”. Antes do ataque terrorista de 22 de abril, o governo do primeiro-ministro indiano Narendra Modi alegou que a situação de segurança na Caxemira estava a melhorar e que os indianos podiam circular com segurança pela região. Estas alegações “foram minadas pelo que ocorreu naquele dia, tornando uma resposta do governo crucial”. E agora, se o Paquistão não reagir aos ataques indianos, “o seu governo e especialmente os seus militares terão também um custo a pagar”.
Apesar de um histórico irregular de sucesso, o exército paquistanês justifica há muito o seu papel na política nacional alegando que é “o único que se interpõe entre o povo paquistanês e a agressão indiana”. Se não agir agora, esta alegação “pode parecer vazia”.
Ausência de mediação externa
Somando todos estes fatores, o que podemos então esperar do atual conflito? “A esperança será a de que haja uma ação militar limitada, com duração de alguns dias, e que depois as coisas se acalmassem rapidamente, como aconteceu no passado. Mas não há garantias”, lamenta Ian Hall. Para reforçar o temor de uma escalada, “há poucos dispostos a intervir e a ajudar a acalmar a disputa”. “O presidente dos EUA, Donald Trump, está atolado noutros conflitos – na Ucrânia, em Gaza e com os rebeldes Houthi no Iêmen – e a diplomacia do seu governo tem sido, até agora, inepta e ineficaz.”
Questionado aliás sobre os avanços indianos de hoje, Trump respondeu que era uma “vergonha” e que espera que eles “terminem rapidamente”. Esta postura “é muito diferente da retórica forte que vimos de presidentes dos EUA no passado, quando Índia e Paquistão entraram em conflito”. Nova Deli e Islamabad terão provavelmente de resolver a atual questão sozinhas, mas quem decidir ceder ou recuar primeiro poderá ter um custo político substancial a pagar”, teme Ian Hall, professor de Relações Internacionais da Universidade Griffith.
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