Os 6 comportamentos erráticos no amor dos tempos modernos

O amor é cada vez mais vivido de forma superficial, virtual e digital. As relações estão a ficar descartáveis? Conheça os termos para definir os novos comportamentos emocionais.

Os 6 comportamentos erráticos no amor dos tempos modernos

Numa altura em que o amor e as relações são cada vez mais vividas de forma superficial, virtual e digital – e vistas como descartáveis –, saiba quais os termos para definir os novos comportamentos que vitimam quem é abandonado e as razões de quem os pratica. Ao ler este artigo é possível que se dê conta de que já os teve ou que já foi vítima deles.

Os 6 comportamentos erráticos nas relações atuais

1. Houting

Indivíduos com medo da desvinculação e de se sentirem sozinhos – terminou a relação e desapareceu, mas acompanha a vida do outro e faz questão de que ele saiba, assombrando o outro.

2. Ghosting

Indivíduos com dificuldades em assumirem-se a si próprios e as consequências das suas escolhas – a pessoa com quem se mantinha uma relação desaparece, como um fantasma, e torna-se impossível de contactar.

3. Benching

Indivíduos calculistas e com medo de se entregarem numa relação – deixar alguém no banco, como suplente, mantendo contacto esporádico, mas sem querer que o outro siga em frente.

4. Orbiting

Indivíduos com ausência de competências de regulação social que permitam desenvolver interações afetivas ajustadas – a pessoa deixa de responder a telefonemas e mensagens, mas acompanha tudo nas redes sociais.

5. Stashing

Indivíduos com dificuldades em estabelecer e assumir vínculos mais sólidos e duradouros – um dos parceiros esconde o outro dos amigos e da família e não publica nada sobre a relação nas redes sociais.

6. Breadcrumbing

Indivíduos que subsistem numa autoestima artificial e superficial, que alimentam por meio de interações estratégicas que estabelecem com os outros – uma das pessoas vai mantendo o interesse da outra através de migalhas de atenção, como troca de mensagens de vez em quando, mas na verdade sabe que não quer estar com a pessoa nem voltar a encontrar-se com ela.

Como tudo começou e evoluiu

Carrie, a mais adorada pelo público e interpretada por Sarah Jessica Parker em O Sexo e a Cidade, foi deixada por um namorado através de um post-it. «Desculpa. Não consigo. Não me odeies»

Estávamos perto do final da década de 1990 quando estreou a série O Sexo e a Cidade. Quatro amigas, armadas em modernas, iam a restaurantes chiques e trocavam de namorado como se de um vestido se tratasse. O choque da modernidade nos costumes destas mulheres feministas e sacudidas, sempre acompanhados por lágrimas e apontamentos lamechas, não foi tão grande como quando, num dos episódios, em que Carrie, a mais adorada pelo público e interpretada por Sarah Jessica Parker, foi deixada por um namorado através de um post-it. «Desculpa. Não consigo. Não me odeies.» Era impensável, naqueles tempos, imaginar-se que alguém fosse deixado assim. E até acabar um namoro por telefone era um ato impensável. Uma tremenda cobardia.

As redes sociais e benching, o ghosting e o stashing

Volvidos estes anos, o amor nos tempos modernos parece ter superado qualquer choque daquela década ou do início do milénio. Redes sociais, aplicações de encontros, amigos de amigos que se conhecem de forma casual e a pouca, ou menor, durabilidade a que vemos resistirem os amores de hoje (grande parte deles quase virtuais) fizeram surgir uma nova série de  termos, como benching, ghosting, stashing – que explicamos de seguida –, para rotular a forma como se vivem e acabam relações, a par dos comportamentos que uma das partes pode assumir. As relações, atualmente, têm tendência para começarem de forma descomprometida e a acabarem da mesma maneira. Ao sofá da Dra. Marta Calado, psicóloga clínica e psicoterapeuta na Clínica da Mente, chegam cada vez mais pacientes de coração partido. Buscam ajuda para lidarem com os destroços do fim de uma relação.

Destroços de uma relação de amor

São cada vez mais frequentes as situações clínicas de pacientes que pedem ajuda para se libertarem do sofrimento emocional causado por relações afetivas disfuncionais, muitas delas decorrentes de experiências mantidas em redes sociais ou em sites de encontros. Surgem também com mais frequência as chamadas amizades coloridas, as relações poliamorosas, os encontros sexuais esporádicos e as relações ioiô, que vivem no drama constante da separação e da reconciliação», diz-nos Marta Calado. A forma como se iniciam e se mantêm relações está a mudar. Mas as consequências nas vítimas de quem, por exemplo, viu o parceiro desaparecer sem deixar rasto – o ghosting – sem sequer justificar o fim da relação são as mesmas que nas relações mais convencionais. Terminar um namoro, mas perseguir o ex-parceiro nas redes sociais – o hauting – perturba e traz malefícios ao outro. Namorar com alguém, mas deixar a cara-metade fora do círculo íntimo – família e amigos – tem o nome de stashing. Trata-se de uma forma de boicote ao outro.

Medo do comprometimento e da responsabilização

No âmbito da ciência psicológica, estes comportamentos erráticos «são, de modo geral, atitudes acionadas por indivíduos com características de insegurança, de incerteza e de baixa autoconfiança». Isto é, «medo do comprometimento e da responsabilização em relação ao outro». «Medo de se sentirem numa posição de dependência emocional e eventual sofrimento», explica a psicoterapeuta. Do ponto de vista moral, «estas formas de viver o distanciamento ou fim numa relação parecem cruéis». «Psicologicamente, os protagonistas destas atitudes preservam a autodefesa perante qualquer possibilidade de se sentirem em situações menos gratas para si. Muitas vezes, não se colocando no lugar da pessoa que irá sofrer o impacto da sua ação. Quando estas atitudes surgem de forma repetida, são conscientes. Intencionais. De outro modo, são instintivas e inconscientes», diz.

O impacto de quem é abandonado sem saber porquê

Um dos parceiros vê que foi bloqueado no telefone e nas redes sociais. Fica sem ter forma de chegar ao outro. Fica sem respostas para o que aconteceu. Fica privado de perceber por que é que a relação acabou. Um indivíduo lida meses a fio – ou anos – com o facto de a cara-metade se recusar a deixar que ele faça parte do círculo familiar ou amigos. Que tipo de impacto causam estes comportamentos, ou escolhas, na vida do outro? «Tendo em conta outros aspetos da história pessoal da pessoa, o impacto psicológico nas vítimas pode assumir diferentes expressões. A ideação suicida, a tristeza profunda, a angústia intensa, a descrença no amor, o isolamento, o comportamento libertino, os acessos de raiva, a revolta e a culpabilização» compõem a lista.

Dizer adeus ou ouvir não destrava a mente e obriga-nos ao próximo passo

«Dizer adeus ou ouvir não obriga a mente a seguir em frente. Por outrem, ser colocado numa posição de standby limita uma reação possibilitadora de uma nova condição para a vítima. Impede o luto da relação e obriga a lidar com o silêncio, a indiferença e a busca de resposta aos porquês», adianta-nos a médica especialista. Estes comportamentos desta era mais moderna e digital, onde há variadas formas de comunicação e voyeurismo pelas redes sociais, promovem o interesse e as necessidades pessoais que qualificam estas relações, onde «o valor das pessoas está naquilo que aparentam ser».

O outro como mero produto de consumo

«Não se permite mais aos indivíduos o ficar triste e a frustração não é mais tolerada. Por outro lado, a Internet é uma montra que coloca à disposição, em sites e aplicações, perfis de parceiros ideais que mais se assemelham à seleção de uma indumentária que assente bem. Se não corresponder às expectativas e exigências, troca- se. E faz-se uma nova busca. Não é de admirar, portanto, o surgimento destas novas práticas nas relações amorosas e a preferência pelo prazer imediato e sem esforço. A influência da tecnologia, dos meios de comunicação, os novos modelos de beleza e de felicidade, o individualismo, a valorização dos bens de consumo e as noções de tempo e de espaço foram ampliados e modificados. Uma conjugação de fatores contribuíram para perceber o outro como mercadoria, como mero produto de consumo», enquadra Marta Calado.

Sinais vermelhos são muitas vezes ignorados

As vítimas acabam envolvidas num jogo cego de manipulação onde o mais importante é ter a atenção do outro, de qualquer forma, a qualquer custo. «Nesse sentido, tornam-se incapazes de analisar as intenções por detrás de certas frases ou argumentos. Não duvidam nem colocam em causa justificações ou motivos da outra pessoa. Defendem determinada realidade sustentada pela outra pessoa. Devemos estar atentos a certos comportamentos estranhos: desmarcações à última hora, recusa em revelar informação mais íntima ou pessoal, evitar encontros fora do mundo virtual, fazer promessas umas atrás das outras, contactos interrompidos por longos períodos, estar online, mas não estabelecer contacto e manter-se ativo nas partilhas na Internet» são alertas muitas vezes ignorados.

Por que há cada vez mais pessoas a desaparecerem em vez de assumirem o fim de uma relação?

«A pergunta que parece não fazer muitas vezes sentido nestas situações é: por que é que há cada vez mais pessoas a desaparecerem em vez de assumirem cara a cara o fim de uma relação? A resposta parece simples, apesar de mostrar a pobreza com que os vínculos emocionais são feitos nos dias de hoje. «Os relacionamentos são construídos dentro de um habitat falso, com personagens fictícias. É um faz-de-conta que pode assumir dimensões despropositadas em que não se medem os riscos de ferir ou de sair magoado. A determinada altura, entre tanto teclar, as pessoas deixam de ser elas. Passam a ser outra coisa qualquer, que adotam apenas ali, naqueles momentos de partilha ilusória.

O preço alto dos relacionamentos face a face

Neste mundo paralelo, em que só se assume uma fachada, o sair de cena parece ser o melhor desfecho para terminar uma aventura e poder começar outra, que devolva entusiasmo e adrenalina nas horas vagas. Estas ligações servem necessidades primárias de contentamento e fruição fugazes. Tudo isto sem grande remorso ou pesar. E, até, com alguma dose de egoísmo. Não se quer, ou não se sabe viver, as relações de outra forma. Muitas vezes, os relacionamentos de contacto face a face implicam desafios de exposição com preço muito alto. Por exemplo, o medo de corar, de gaguejar, de dizer não, de ser rejeitado ou substituído. Do lado de lá de um ecrã, os indivíduos escondem-se num aparente controlo, ocultam características não resolvidas nas suas mentes ou não potencializadas, nos seus percursos de vida», sublinha a psicóloga.

Cobardia ou ansiedade? Irresponsabilidade ou imaturidade?

Onde está a dificuldade para alguns indivíduos em dizer, depois de um ou outro encontro, ‘não vou ter uma relação amorosa assumida contigo’? Ou ‘quero acabar, definitivamente, a relação’? Marta Calado explica que «confrontar o outro representa, antes de mais, a capacidade de nos confrontarmos a nós próprios». «Encarar o outro implica coragem e determinação. Em causa estão indivíduos com traços de ansiedade social e baixos índices de inteligência emocional. Pelo que, depois de beneficiarem de momentos que garantiram emoções prazerosas, acabam por deparar-se com as suas próprias dificuldades e limitações. Com implicações naquilo que vai acontecer a seguir – manter ou terminar a relação. Por isso, adiam atitudes que implicam ter de lidar com situações relacionais complexas ou conflituosas e acabam por eleger atitudes de imaturidade, de irresponsabilidade ou de facilitismo.»

Quais são as principais queixas/razões para o fim das relações?

A resposta é «as desculpas são fracas, mas sempre centradas na proteção do ego do indivíduo», explica. «’Não era pessoa para mim’, ‘não me compreendia’, ‘era como o meu anterior companheiro’, ‘deixei de sentir interesse’, ‘não ia dar em nada’ ou, simplesmente, ‘fomos deixando de falar e comecei a falar com outras pessoas’ são algumas das razões que culminam no final destas ligações virtuais-relâmpago. O luto derradeiro e o distanciamento efetivo nem sempre ocorrem porque as pessoas continuam linkadas e que não se bloqueiam. Permanecem fantasmas mais ou menos ativos nos perfis umas das outras.»

Continuamos a acreditar-se no amor nos tempos modernos?

«Estas formas de relacionamento sempre existiram», começa por situar Marta Calado. Então, onde está a diferença? «Está na oportunidade cómoda e fácil de estabelecer contactos instantâneos. Sem se sair, sequer, da zona de conforto e com uma tela a servir de filtro dos defeitos reais. As novas gerações e os adolescentes devem ser devidamente compreendidos e apoiados. Serão as maiores vítimas destes atropelos nas formas de sentir. É inegável que o amor perdeu parte do encantamento. Traduz-se mais na atração física e sexual e na consumação do desejo erótico. Lealdade, fidelidade, exclusividade e honestidade estão em desuso. Nos relacionamentos modernos, procura-se viver o momento. São pioneiros os princípios da rapidez, da fluidez e da utilidade. Numa sociedade acelerada, ligar-se e desligar-se de alguém também se tornou um processo descartável. As relações são vazias, breves e superficiais. Carecem de disponibilidade e envolvimento para amadureceram e evoluírem», conclui.

Texto: Eunice Gaspar | jornalista Nova Gente

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