Rui Santos “Pinto da Costa achava que tinha o clube controlado pelo seu exército”

Aos 63 anos, diz que teve razão antes do tempo e que isso lhe valeu muitas inimizades. Olhado de soslaio pelos colegas jornalistas, é valorizado pelos espetadores, que têm feito dele um campeão de audiências, primeiro na SIC Notícias e agora na CNN Portugal. Quem é, afinal, o homem que se esconde atrás do comentador?

Rui Santos

Há muitos anos que tens intervenção mediática no futebol. Mas a ideia que se tem de ti é que és muito reservado. Ou seja, as pessoas julgam que te conhecem, mas acho que não conhecem.

[risos] Isso é muito interessante porque corresponde exatamente ao que penso: as pessoas não me conhecem.

Mas porque não te dás a conhecer?

Se calhar, também por culpa minha, mas isso tem uma explicação. Como comecei muito cedo na redação de A Bola, aos 15 anos, e lidei com gente extraordinária do jornalismo, aprendi muito com eles e assumi para mim a responsabilidade de lidar com todos esses gigantes.

E com a herança pesada de ser sobrinho de Vítor Santos, um dos grandes de A Bola e do jornalismo.

Sim. Desde cedo quis fazer crónicas sobre futebol e houve um dia que estava chateado porque tinha visto a agenda e o meu nome não estava em nenhum jogo. Pensei: “Esforço-me imenso para trabalhar e nada”. E o meu tio disse-me: “Sabes o que é trabalhar n’A Bola? Sabes o que é o privilégio de lidar com estas pessoas, que têm anos de carreira?”

Sentias que tinhas de provar muito mais por seres sobrinho de quem eras?

Exatamente. Era o tipo que estava a aparecer e que tinha vontade de ser convocado para a seleção, mas estava “tapado” pelos grandes craques [pausa].

Mas as comparações são sempre pesadas. Sentiste muito isso?

Foi violento. Tinha de ser bom e provar que era capaz de fazer bem. Quando o meu tio morre, em 1990, já fazia tudo no jornal. E nunca ele me deu um lugar de chefia. Só tenho o meu primeiro lugar de chefia em 1992, como subchefe de redação.

Quando é que te libertaste do peso dessa herança?

A partir de certa altura, nunca mais deixei de sentir. Por isso, saí de A Bola. Aquele jornal onde nasci estava a deixar de existir.

Era inevitável com a morte dos mestres.

Mas sabes muito bem que as transições podem ser mais rápidas ou mais lentas. O que senti é que houve uma aceleração para esvaziar a velha A Bola [pausa]. O meu coração está cheio de memórias de todos os sítios por onde passei. Mas sei que quando saí do jornal, muitos pensaram que era o meu fim enquanto jornalista.

A televisão só vem a seguir.

Tinha algumas aparições pontuais, mas não era um homem da televisão, que era um meio que, aliás, me metia medo.

Porquê?

Porque não era um meio que dominasse, porque era um meio mais invasivo, mais intimidatório.

O que é certo é que acabas por ter um grande sucesso na SIC Notícias, onde estiveste quase 20 anos, com o Tempo Extra, e tornas-te o comentador de futebol mais polémico e de maior audiência. O que te levou à CNN Portugal, onde estás há dois anos e meio.

A credibilidade também leva tempo a construir. Se recuarmos 21 anos, tínhamos o panorama televisivo completamente diferente. Hoje a oferta é brutal e acho que é muito acima daquilo que é a dimensão do País. Na altura era diferente, e eu assumi um discurso pouco habitual em televisão.

Que já era teu antes de chegares à televisão.

Precisamente [sorriso]. Eu não mudei na televisão. A televisão é que amplificou a minha mensagem. Quem segue o que eu sempre escrevi sabe que eu sempre apontei o dedo ao que estava mal no futebol, um desporto tomado pelos bandidos. Sempre disse que era preciso libertar o futebol.

Isso está a mudar?

Não tenho dúvidas. O exemplo recente das eleições no FC Porto provam-no. É um momento muito importante para a libertação da cidade do Porto e para o próprio futebol português.

Porquê?

Há sítios em Portugal que tenho de evitar, sob pena de poder ser agredido. Felizmente agora, a cidade do Porto, que estava controlada, está em processo de libertação. Não tenho nada contra o senhor Pinto da Costa enquanto pessoa, mas, sim, contra os interesses que protegeu. O futebol não pode estar nas mãos de bandidos.

Pinto da Costa é um bandido?

Ele deu cobertura a situações de matriz criminal que estão à vista. O Futebol Clube do Porto precisava de se libertar disso. As lideranças fortes e que se perpetuam, sobretudo com braços armados, minam tudo à volta. Podes acreditar numa indústria do futebol sã quando tens alguém que tem ao seu serviço um exército que ameaça árbitros, dirigentes e os próprios jogadores e jornalistas? 

Achas que Jorge Nuno Pinto da Costa nunca acreditou que pudesse perder as eleições?

Não. Ele achava que tinha chegado a um grau tal que tinha a cidade e o clube controlado pelo seu exército. O que me faz confusão é como é que o País consentiu isso durante anos e anos. Somos todos culpados.

André Villas-Boas é um homem bem preparado?

Sim. Escrevi há muitos anos que achava que o André Villas-Boas tinha perfil para ser presidente do Porto e aconteceu. Uma vez mais, antes do tempo.

Talvez seja uma boa altura para esclarecermos um mito. És ou não és do Sporting?

[pausa] Não, não sou.

Há uma entrevista tua em 1991, publicada na revista Kapa, em que assumes que és do Sporting, até por influência da tua família.

Essa entrevista marcou bastante o momento da minha carreira, mas com base em algumas inverdades. Nunca disse que era do Sporting. O que eu disse é que o meu pai era um grande sportinguista e nasci no meio de uma família sportinguista. Quando me tornei jornalista, comecei a ver as coisas do futebol de outra maneira. Lembro-me de ter tido uma conversa com o meu pai, em que ele defendia uma coisa muito leonina, e eu disse que não concordava nada com isso. E o meu pai exclamou: “Olha, só me faltava ter um filho do Benfica” [risos].

 

Leia a entrevista completa na edição da NOVA GENTE que já está nas bancas.

Texto: Nuno Azinheira; Fotos: Tito Calado

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