O camelo vai substituir a vaca na produção industrial de leite

A vaca está a ser substituída pelo camelo em vastas explorações leiteiras do Médio Oriente, onde milhares destes dromedários são ordenhados por máquinas. Porquê? Para responder às alterações climáticas.

O camelo vai substituir a vaca na produção industrial de leite

O camelo pode vir a ser a próxima vaca. Um animal que outrora pastava e migrava por grandes distâncias está cada vez mais encerrado em vastas explorações leiteiras do Médio Oriente, onde milhares de camelos são ordenhados por máquinas, exatamente o modelo de agricultura sedentária que produziu vacas, ovelhas e porcos modernos. Até agora, os camelos resistiram – mas, em certos aspetos, são animais ideais para a próxima realidade climática.

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Os camelos evoluíram para lidar com dias muito quentes e noites geladas no deserto. Podem passar dias com pouca água ou vegetação e produzir menos metano do que vacas, ovelhas e outros ruminantes.

Estas características tornam os camelos excecionalmente resistentes às alterações climáticas e significa que podem desempenhar um papel fundamental na adaptação da produção alimentar à medida que o clima muda, especialmente em desertos e noutras áreas áridas.

Mas as mesmas características que tornam os camelos bem adaptados às alterações climáticas também os tornam alvos cada vez mais atraentes para a agricultura intensiva. Com os interesses das grandes empresas, ávidas por formas de combinar soluções climáticas e oportunidades de crescimento capitalista, uma nova indústria de camelos está a crescer.

Os especialistas passaram anos a trabalhar com pastores de camelos nómadas na Arábia rural e na Ásia Central e temem que a mudança para a criação industrial de camelos não seja apenas má para o ambiente, mas que signifique também a perda de conhecimentos tradicionais cruciais e de património cultural imaterial.

Procura crescente de leite de camelo

O leite de camelo é rico em vitamina C quando fresco e também tem baixo teor de gordura
O leite de camelo é rico em vitamina C quando fresco e também tem baixo teor de gordura

A tendência é impulsionada pela crescente procura de leite de camelo como alternativa aos de vaca, ovelha e cabra. O leite de camelo é rico em vitamina C quando fresco e também tem baixo teor de gordura.

No deserto de Gobi, na Mongólia, e nos desertos de Omã, o leite de camelo é consumido fresco e em chá com leite. Também é produzido como bebida fermentada ou transformado em coalhada seca e endurecida para maior vida útil.

O leite fresco produzido por pastores de camelos tem um sabor suave que muitas vezes é ligeiramente mais doce em determinadas estações, dependendo da vegetação onde os camelos pastam. Embora os pastores em regiões áridas tenham sempre consumido leite de camelo, a sua nova comercialização baseia-se no sabor suave, níveis mais baixos de lactose e perfil nutricional.

A crescente procura de leite de camelo fresco e em pó é exemplificada pelo aumento de pequenas fábricas de lacticínios nos locais menos esperados, como uma colaboração Amish-Saudita nos EUA. Tudo isto está a levar alguns empresários capitalistas ao desenvolvimento de raças de camelos que proporcionam maiores rendimentos de leite – tal como as vacas leiteiras domesticadas podem produzir muito mais leite do que os seus antepassados ​​selvagens.

Enormes explorações leiteiras de camelos

Nos Emirados Árabes Unidos e na Arábia Saudita foram criadas explorações leiteiras de camelos com milhares de espécimes – a maior, nos Emirados, tem mais de 10 mil – incluindo unidades de engorda para machos que serão vendidos como carne. Muitos mais estão a ser construídos e, no início de 2024, o fundo soberano saudita anunciou novos investimentos.

Existem alguns desafios na criação de camelos em escala industrial. Os machos tendem a tornar-se muito agressivos e até perigosos para os humanos durante o cio, enquanto as fêmeas têm um período de gestação mais longo do que o das vacas.

No entanto, espera-se que a indústria cresça rapidamente, com estimativas para o valor futuro do mercado global de leite de camelo a variar entre 1,85 mil milhões de euros e 12 mil milhões de euros até ao final da década.

Na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes Unidos e em Omã, os camelos tornaram-se símbolos do património cultural. Corridas e “concursos de beleza” podem render prémios astronómicos de até 2,3 milhões de euros. Com recompensas tão extraordinárias, não é surpreendente que a clonagem e outras técnicas reprodutivas avançadas se tenham tornado mais comuns no esforço para criar um camelo vencedor.

Pastores tradicionais de camelos preocupados

Pequenos produtores receiam adoção de um modelo industrializado de criação de camelos que seja “dependente de combustíveis fósseis, fatores de produção químicos e alimentos importados”
Pequenos produtores receiam adoção de um modelo industrializado de criação de camelos que seja “dependente de combustíveis fósseis, fatores de produção químicos e alimentos importados”

Os pastores nómadas na zona rural da Mongólia e nos desertos da Arábia – onde os camelos vivem sem restrições de cercas e são ordenhados manualmente – estão preocupados com a mudança para mega-leiteiras, onde o leite é produzido em escala industrial.

Os participantes internacionais pastores de camelos que se reuniram num workshop recente no Rajastão, na Índia, divulgaram um comunicado a afirmarem que rejeitam o “modelo extrativista de produção animal que foi primeiro sobreposto a muitos países camelídeos nos tempos coloniais”. estes pequenos produtores tradicionais têm receio de adotar um modelo industrializado de criação de camelos que seja “dependente de combustíveis fósseis, fatores de produção químicos e alimentos importados”.

Os humanos trabalharam com camelos ao longo da história – possibilitaram o comércio de longa distância, serviram em exércitos, transportaram equipamento militar, sustentaram a subsistência familiar e contribuíram para a industrialização inicial. Hoje, são o rosto de muitos folhetos turísticos.

A tendência emergente da criação industrializada de camelos, baseada na maximização da produção de leite através do confinamento e do controlo da mobilidade, deveria fazer-nos parar e refletir. Desconfia-se do que tudo isto significa para os pastores de camelos nómadas que produzem fibra de lã fina, leite, diversos produtos lácteos e carne, utilizando conhecimentos e costumes centenários de criação de animais.

The Conversation

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