O que lá vai, lá vai. Não é bem assim, Carlos César

No recente Congresso do Partido Socialista, o seu Presidente, Carlos César, dizia que “o que lá vai, lá vai” como se, de um dia para o outro, quisesse apagar da memória dos portugueses os erros dos sucessivos Governos socialistas, desde António Guterres, passando por José Sócrates, até António Costa, que levaram ao estado actual do país.

O que lá vai, lá vai. Não é bem assim, Carlos César

No recente Congresso do Partido Socialista, o seu Presidente, Carlos César, dizia que “o que lá vai, lá vai” como se, de um dia para o outro, quisesse apagar da memória dos portugueses os erros dos sucessivos Governos socialistas, desde António Guterres, passando por José Sócrates, até António Costa, que levaram ao estado actual do país.

No romance “O livro do riso e esquecimento”, em parte uma obra autobiográfica, mas simultaneamente política, Milan Kundera manifesta a sua preocupação com a memória quando diz “que a luta contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”.

É mesmo isso, não existe futuro sem memória.

Como disse Cícero “A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida.”

Em nome da memória e da verdade, “mestras da vida”, quero recordar, de uma forma breve, mas com exemplos clarividentes, a história dos últimos 28 anos da nossa democracia, nomeadamente os 21 anos de governação socialista.
Não quero com isto dizer que o PSD fez tudo bem nos sete anos que esteve à frente da governação do país. Longe disso, mas duas coisas sabemos, da primeira vez o PSD foi chamado a governar para tirar o país do pântano, da segunda vez veio para salvar o país da bancarrota.

A análise aos sete anos de governação dos social-democratas deixarei para outras núpcias.

Mas comecemos pela saída sem honra, nem glória de Guterres. Foi eleito primeiro-ministro em 1995. Esteve à frente do governo da República, durante seis anos, até à noite de 16 de Dezembro de 2001.

Nesta fatídica noite para os socialistas, após um resultado absolutamente desastroso, nas eleições autárquicas, António Guterres anunciou a sua demissão.

Os socialistas perderam as câmaras de Lisboa e do Porto, mas também autarquias como Coimbra, Sintra, Setúbal ou Faro.

O segundo Governo de Guterres foi alvo de três moções de censura. O CDS foi o primeiro partido a censurar o governo, seguiu-se, mais tarde, uma moção de censura do PSD, mas por fim já a própria esquerda, por via do BE, censurava o governo socialista na Assembleia da República.

A opção política pelo negócio da aprovação dos “orçamentos limianos” criou divisões no Governo, ao mesmo tempo que Guterres tinha perdido o controlo do partido.
Foi o fim de Guterres que tinha alcançado o poder apostando na conciliação dos posicionamentos económicos tradicionalmente associados à direita com políticas de esquerda que privilegiavam políticas sociais progressistas. Talvez a mais emblemática de todas as medidas do Guterrismo foi a implementação do Rendimento Mínimo que mais tarde veio a ser substituído pelo Rendimento Social de Inserção. Ainda hoje um e outro continuam a ser olhados, em muitos casos, como subsídios à preguiça.

Em 2005, o PS regressa ao poder pela mão de José Sócrates. Pela primeira vez os socialistas conseguem obter uma maioria absoluta para governar. Era notório que Sócrates trazia consigo uma vontade de imprimir políticas de coesão territorial e reformar o país em alguns sectores, nomeadamente com o seu plano tecnológico, mas também nas áreas das energias renováveis e da Justiça.

Mas rapidamente Sócrates vê-se enredado em várias polémicas que paralisaram o Governo. Uns casos, atrás de atrás de outros, não deram descanso ao ex-primeiro-ministro. Foi o caso da sua licenciatura, na Universidade Independente, com exames realizados ao Domingo, a investigação sobre o duvidoso licenciamento do Freeport, o processo Face Oculta, relacionado com uma rede de corrupção, em que o seu amigo e ex-ministro, Armando Vara, acabou condenado a cinco anos de prisão efectiva.

Mesmo assim Sócrates conseguiu ser reeleito em 2009, porém já sem maioria absoluta. Esteve à frente de um Governo sempre muito fragilizado, que nos últimos meses já tinha muitas dificuldades em fazer face aos compromissos do país. José Sócrates demitiu-se a 11 de Março de 2011, solicitando a ajuda internacional para salvar o país da falência.

O resto da história de José Sócrates é conhecida dos portugueses. No âmbito da Operação Marquês foi detido no dia 21 de Novembro de 2014, no Aeroporto de Lisboa, quando regressava de Paris. Esteve em prisão privativa 288 dias. Hoje passados quase 10 anos ainda aguarda pela marcação do julgamento o que patenteia a ineficácia do nosso sistema judicial.

Em 2015, António Costa chega a primeiro-ministro pela primeira vez na história da nossa democracia sem vencer as eleições Legislativas que foram ganhas por Pedro Passos Coelho, mesmo após ter governado com todas as dificuldades inerentes à intervenção da Troika a que o país esteve sujeito durante quatro anos. Com o sacrifício dos portugueses Passos Coelho conseguiu colocar as contas em ordem e devolver a confiança do país junto dos mercados financeiros.

Perdendo as eleições António Costa foi obrigado a encontrar rapidamente uma bóia salvação política de forma a que sua carreira não morresse na praia, na noite de 4 de Outubro de 2015. Em poucos dias montou a famosa geringonça que reuniu Bloco de Esquerda e PCP para assim conseguir chegar a primeiro-ministro. Foi reeleito em 2019 e novamente em 2022, desta vez com maioria absoluta. Sempre com o apoio implícito do Presidente da República.
É verdade que passados oito anos António Costa deixa o país com as contas certas, à custa de um diminuto investimento público, de muitas cativações e com os serviços públicos absolutamente depauperados na educação, na habitação social, nas forças de segurança, na justiça e na saúde. E os portugueses mais pobres. Não preciso de me alongar muito mais porque infelizmente os portugueses sentem todos os dias estes problemas na pele.
Não deixa de ser curioso que um Governo de maioria absoluta foi de uma instabilidade incomum. Em pouco mais de ano e meio caíram 2 ministros e 11 secretários estado, uma delas, Carla Alves, passou a deter o recorde mundial de permanência em funções governativas, que muito dificilmente será batido. Foi secretária de Estado da Agricultura durante 24 horas. Não, não me enganei, foram mesmo 24 horas.

Muitas destas demissões tiveram origem em problemas dos governantes com a Justiça.

Foram também problemas com a Justiça que levaram António Costa a pedir a sua demissão no dia 7 de Novembro, mas não foi, como quis fazer crer, o último parágrafo do célebre comunicado da PGR que levou à sua demissão.

O que tornou insustentável a manutenção de António Costa como primeiro-ministro foram as buscas na sua residência oficial, em São Bento. Não pode o homem da sua maior confiança pessoal e política, Vitor Escária, seu chefe de gabinete, ter no seu gabinete 78.000 euros, em dinheiro vivo, escondidos no interior de caixas de vinho e de livros.

Em 2001, Guterres demitiu-se porque sentiu que o país tinha caído num pântano político sem retorno, Sócrates perdeu as eleições Legislativas em 2011 porque estava mergulhado em vários processos judicias e com o país afogado em dívidas. António Costa, apesar da maioria absoluta, demitiu-se porque tinha o seu Governo em cacos, com casos atrás de casos, com demissões atrás de demissões, que culminou com a apreensão, no dia 7 de Novembro de 2023, de 78.000 euros, em notas, escondidos no gabinete do seu chefe de gabinete.

Estes exemplos mostram bem que existem políticos que não conhecem limites. Hoje temos um primeiro-ministro de um Governo em gestão que não tem vergonha de estar em campanha eleitoral todos os dias, de manhã, à tarde e à noite. Mas pelos vistos também não temos um Presidente da República que o impeça de intervir em cerimónias públicas, nomeadamente anúncios e inaugurações de obras, até às eleições, tal como defendeu recentemente numa intervenção pública o ex-presidente do PSD, Luís Filipe Menezes.

Um partido político com todo este histórico que não olha a meios para atingir os fins não poderá voltar a merecer a confiança dos portugueses nas eleições de 10 de Março.

Apesar da utilização diária da máquina de propaganda de um governo em gestão em benefício do PS, não acredito nas sondagens que colocam o Partido Socialista à frente nas intenções de votos dos portugueses.

O PS não pode ser simultaneamente a doença e o medicamento para a sua cura.

Paulo Vieira da Silva

Paulo Vieira da Silva
Gestor de Empresas / Licenciado em Ciências Sociais – área de Sociologia
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)

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