A opinião de Filipe Carvalho: Já não quero as mesmas coisas como os The National
Existe um certo conforto no caos das nossas vidas. Sem ele, somos apenas coisas a ver o tempo passar. O sétimo álbum dos The National é a personificação dessa energia, oriunda das crises de meia-idade.
Ao longo dos anos, a banda de Ohio criou uma reputação como fiéis intérpretes dos dramas emocionais que nos afligem. Tristeza, amor, arrependimento, sonhos incompletos. De Boxer a High Violet, os The National sempre souberem o que queriam dizer, muitas vezes sem rodeios, outras de um modo gracioso demais para ser evocado em conversas banais.
Chegados ao sétimo álbum, Sleep Well Beast, Matt Berninger, os irmãos Dessner e Devendorf já não têm dúvidas sobre os caminhos que querem percorrer. Assumem-se como poetas dos tempos modernos, perante uma sociedade cada vez mais solitária, egoísta, dependente de tecnologias, sem medo de abordar o que realmente nos aflige no dia-a-dia. É no meio das emoções que a banda encontra a energia criativa para se expressar.
Ao contrário do seu antecessor, Sleep Well Beast é um álbum focado. Talvez até seja um projecto conceptual. A crise da meia-idade e as dificuldades em manter um casamento vivo. Não é o amor que desapareceu, são as falhas na armadura que dão o mote para as letras escritas por Berninger e pela mulher Carin. Nesse aspecto, é assustador como um casal consegue expor deste modo o que os assola, como sobrevivem a cada ferida, como se recompõem e continuam a ser uma equipa. A primeira frase de “Nobody Else Will Be There” (faixa que abre o álbum) é reveladora do que se segue: “So we’re not so tied together”. A partir daqui é evidente que vamos percorrer um caminho sinuoso.
Se antes vivemos histórias de amor (ou desilusão, como quiserem), agora estamos numa nova etapa. Pelo menos eu estou. Não quero as mesmas coisas. Não tenho os mesmos objectivos. Tenho novas ambições. Os meus desejos são outros. Essas mudanças enquadram-se numa nova fase da minha vida onde já acumulei demasiados sentimentos e lembranças que preciso de deitar fora, de modo a criar espaço para o que aí vem. Já tenho uma maior capacidade de definir o que quero e o que não quero, como se me tivesse tornado num bom vinho que precisava de tempo para apurar.
Sleep Well Beast é o momento em que a garrafa de vinho se entorna, suja a camisa, as conversas tornam-se mais densas. O caos torna-se parte das nossas vidas e encontramos alguma consistência no meio da entropia. Trata-se de um álbum revoltado, emocional envolto em arestas que lhe dão algum suporte como quando Berninger canta “Can’t you find a way? You are in this too” em Empire Line. As equipas não se fazem sozinhas. Os problemas não se resolvem sozinhos. Quanto mais afastados, mais rachas na armadura. A natureza das letras do álbum acaba sempre por ir parar ao tema do casamento (que podemos transpor para relações amorosas), seja porque a banda refere em várias entrevistas que sente que está casada entre os seus membros ou porque Berninger explorou os dramas emocionais do seu próprio casamento. “No point of view or vision I’m just trying to stay in touch with anything I’m still in touch with”, ouve-se da voz sussurrada de Matt em I Still Destroy You, um dos grandes momentos do álbum.
Não será o disco mais acessível da banda para quem nunca os ouviu. A densidade de cada canção necessita de uma certa maturidade emocional para que se usufrua na sua plenitude. Quem os ouve há algum tempo, nota que a tristeza latente agora é sussurrada em vez de berrada. A idade tem destas coisas. Por vezes, basta só deixar sair o que se sente. Mesmo que a festa esteja ao rubro e a nossa voz até parece escondida perante o que está a acontecer.
“I say your name I say I’m sorry I know it’s not working I’m no holiday It’s nobody’s fault”. Guilty Party.
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