É a economia, estúpida!
Duas semanas depois do Dia Internacional da Mulher ainda estou de ressaca. Poucos eventos anuais revelam de forma tão cabal o nosso desnorteio. De manhã à noite recebemos flores, poemas, mensagens e bonitos discursos, no dia seguinte voltamos à realidade.
Fui ao cinema e nos anúncios a produtos com que somos bombardeados antes da sessão, um pequeno filme publicitário despertou o meu interesse – um anúncio da marca francesa de desporto Decathlon a vender trotinetes para miúdos, e por miúdos entenda-se apenas rapazes. A única rapariga que se vislumbra no filme permanece no passeio a olhar, estática e embevecida, para os rapazes a andar nas suas trotinetes na estrada. A voz off não poderia ser mais explícita “They are handsome, they are cool, they have style and many groupies” (eles são giros, são o máximo, têm estilo e muitas fãs).
Em 2017, é assim que uma reconhecida marca internacional ainda equaciona vender os seus produtos, com estereótipos a cheirar a bafio. Raparigas? São óptimas para serem fãs. E no passeio, claro. Os exemplos multiplicam-se à nossa volta, na publicidade e não só, basta um olhar mais atento.
As marcas ainda não perceberam que o mundo mudou e as mulheres ainda não descobriram que o combate hoje, mais do que no campo ideológico ou social, é no plano económico que é travado.
Nem por acaso, a única mulher que também aparece no anúncio é a mãe que vai à loja comprar a trotinete para o filho. As marcas ainda não perceberam que o mundo mudou e as mulheres ainda não descobriram que o combate hoje, mais do que no campo ideológico ou social, é no plano económico que é travado.
Ou seja, desejam que a desigualdade salarial diminua, o acesso aos cargos de decisão aumente e um maior equilíbrio social? É simples.
Um partido não contempla no programa nem nos candidatos propostos metade da população? Não votem nesse partido.
Uma marca ou produto insiste em se apresentar aos consumidores recorrendo a mensagens machistas? Não comprem, optem por marcas e produtos com um discurso diferente. Uma empresa insiste na desigualdade salarial e não contrata ou despede mulheres grávidas? Recusem continuar a ser clientes. Um partido não contempla no programa nem nos candidatos propostos metade da população? Não votem nesse partido.
Aproveitem para num acto realmente pedagógico explicarem o contra-senso entre lutar e reivindicar por regras mais justas na sociedade.
Querem mudar o mundo? Comecem por oferecer trotinetes às vossas filhas, mas comprem em marcas que as respeitem. Aproveitem para num acto realmente pedagógico explicarem o contra-senso entre lutar e reivindicar por regras mais justas na sociedade, mas entregar o dinheiro e o poder a quem promove o contrário.
Sofia Afonso Ferreira, escritora ([email protected]) | Foto Carlos Ramos
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