Às vezes, as flores não têm perfume
Durante vários anos, a melodia de Fake Plastic Trees fez parte de vários episódios da minha vida, quase todos relacionados com desilusões amorosas.
Devia ter 15, 16 anos na primeira vez que ouvi Radiohead. Estava a passar por uma fase rebelde – quem nunca? – e andava a interessar-me por música que saísse daquele pop repetitivo da altura.
Num bar do Bairro Alto, passou Karma Police. Na altura, não conhecia a música. Recordo-me de ver as pessoas entrarem numa espécie de transe colectivo, de olhos fechados, a mexerem o pescoço ao ritmo do que ouviam e a sussurrarem “This is what you’ll get when you mess with us”. Perguntei a um dos empregados de quem era a música que estava a tocar e ele respondeu-me: “Radiohead”. “Não conheces?” A resposta foi dada com um certo tom de sarcasmo, como se tivesse a obrigação de saber quem eram os Radiohead, o repertório completo, as horas a que iam à casa de banho. Disse que não os conhecia, mas que gostava da música.
“Tens de ouvir, pá. O Ok Computer é excelente, apesar de gostar mais das músicas do The Bends“, ouvi.
Fiquei com a conversa na cabeça durante algum tempo, até ter a oportunidade de comprar os dois álbuns. Foi aí que mergulhei completamente na música dos Radiohead. Acho que ouvi aqueles CD incessantemente.
Ao longo dos anos, tornei-me em mais um fã incondicional da banda. Devoro cada álbum com a paciência que se exige apesar de não ser com a dedicação que merece. De todas as músicas que a banda já editou ao longo dos anos, uma está acima da média: Fake Plastic Trees.
Assim que ouvi os primeiros acordes da guitarra, sabia que estava perante qualquer coisa de especial.
“A green plastic watering can / For a fake Chinese rubber plant In the fake plastic earth.”
Durante vários anos, a melodia melancólica da música fez parte de vários episódios da minha vida, quase todos relacionados com desilusões amorosas.
Recentemente, voltei a ouvir a faixa com o mesmo sentimento que no passado. Uma pessoa próxima de mim passou por um mau bocado com o fim de uma relação e acabou “partida”. Ainda a recuperar emocionalmente da situação, temos falado bastante sobre o que sentiu, o que sente, o que precisa de fazer para se levantar completamente. As conversas que temos tido relembram-me os mesmos sentimentos que tinha quando ouvia Fake Plastic Trees nas alturas de maior aperto emocional. Quando queremos algo que não conseguimos ter ao mesmo tempo que essa coisa não é necessariamente o que precisamos.
“She tastes like the real thing, my fake plastic love.”
Grande parte das vezes, damos por nós desesperadamente a querer acreditar em algo real e palpável. Que nos complete. Que faça sentido. Que encaixe na nossa essência. Mesmo quando sabemos, lá no fundo, que não vai funcionar. Até chegarmos a essa conclusão (se chegarmos), tornamo-nos em algo diferente do que realmente somos. Vivemos uma ilusão na esperança de que se transforme numa verdade incontestável. E isso cansa.
“It wears you out.”
Por muito diferentes que sejamos uns dos outros, acabamos por ter pontos de união. Já vivemos momentos em que quisemos acreditar em algo, de um modo tão profundo que preferimos não encarar a realidade. Queremos viver no meio da felicidade, custe o que custar. Tentamos colocar de parte as sensações iniciais que nos “dizem” que não podemos ficar aqui mesmo, sabendo que a consequência irá ser pior do que a aceitação da realidade.
“But I can’t help the feeling I could blow through the ceiling If I just turn and run.”
Tenho dito a essa pessoa que o passado tem de ficar lá atrás para que o futuro não seja contaminado com sentimentos de desilusão e decepção. Não os devemos esquecer, tal como não se devem apagar as boas memórias do que se viveu. Temos de ter a capacidade de encaixar cada sentimento na sua devida caixa, dentro do repositório que contém as emoções humanas. Parece fácil quando é dito desta forma, mas parece ainda mais empático quando é ouvido em Fake Plastic Trees.
As relações são feitas de respeito, comunicação, dedicação. Nunca podem sobreviver se as pessoas não forem verdadeiras. Primeiro, com elas. Depois, com os outros. As árvores verdadeiras não vivem sem água. As árvores de borracha duram uma eternidade. Mas só servem para enfeitar.
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