Chamo hoje casa onde experimentei a solidão

Experimentei a solidão até saber que são os sonhos que nos assustam os que valem a pena perseguir. Com coração de menina, seremos as mulheres que admirámos. Com sapatos bonitos.

Chamo hoje casa onde experimentei a solidão

Experimentei a solidão até saber que são os sonhos que nos assustam os que valem a pena perseguir. Com coração de menina, seremos as mulheres que admirámos. Com sapatos bonitos.

Vim para Lisboa com 17 anos sozinha, com pouco nos bolsos e com a cabeça cheia de sonhos

Vim para Lisboa com 17 anos sozinha, com pouco nos bolsos e com a cabeça cheia de sonhos. A cidade grande era tão fascinante quanto assustadora. Os prédios eram enormes e as pessoas andavam rápidas na rua. Não conhecer a cidade fez com que me perdesse tantas vezes que, um dia, parei numa praça cheia de personalidade.

Sentia-me angustiada e confesso que a perceber pela primeira vez o que era aquilo que os adultos chamavam de solidão. Sempre achei a palavra exagerada. Estava na Praça de Londres, sem lhe saber o nome até então, quando vi que a igreja imponente era parecida com a da minha terra. Olhar para ela trouxe-me um bocadinho de casa. Entrei – que confesso que nunca fui muito de me apegar a santos.

Questionei-me se um dia seria uma daquelas mulheres. Tão bonitas e independentes, com vestidos lindos e sapatos fabulosos

Observei em pormenor a beleza que continha; todas as igrejas são monumentos de arte. E voltei à rua. Subi a Avenida de Roma e deparei-me com as senhoras muito bem vestidas que ali se passeavam, vagarosamente, muito bem arranjadas, com sapatos muito elegantes. Umas tomavam café, outras comiam um gelado de aspeto artesanal, espreitavam as montras, com manequins que exibiam peças que preenchiam o imaginário de qualquer mulher vaidosa.

Achei aquela avenida fabulosa. Questionei-me se um dia seria uma daquelas mulheres. Tão bonitas e independentes, com vestidos lindos e sapatos fabulosos. Olhando à volta, os prédios altos, em tons rosa, outros salpicados a verde, e apercebi-me de que naquela rua movimentada os passeios eram largos. Convidavam a passear, de forma calma, para ninguém na correria perder os primeiros rasgos de sol da primavera que nos oferece sempre manhãs verde-limão e nos aquece a cara depois dos meses de frio e chuva.

Tal como as senhoras que me captaram o olhar nessa tarde, hoje uso sapatos melhores. Melhor: uso sapatos fabulosos

Ainda hoje adoro esta avenida. Se me tornei numa daquelas mulheres fabulosas que naquele dia me fascinaram na rua? Bem, posso dizer que ainda sou aquela miúda cheia de sonhos, mas, tal como as senhoras que me captaram o olhar nessa tarde, hoje uso sapatos melhores. Melhor: uso sapatos fabulosos. E quis o acaso, ou não, que acabasse muitos anos depois por vir a chamar casa ao mesmo bairro da avenida onde um dia senti, pela primeira vez, solidão.

Eunice Gaspar jornalista da Nova Gente

Eunice Gaspar | jornalista da revista Nova Gente

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