Neto de Moura insiste que casos de violência doméstica que julgou não eram «particularmente graves»

O juiz Neto de Moura considerou que faz sentido citar a Bíblia para fundamentar acórdãos e, «se as vítimas se sentiram ofendidas», a única coisa que pode fazer «é lamentar».

Neto de Moura insiste que casos de violência doméstica que julgou não eram «particularmente graves»

O juiz Neto de Moura argumenta que os casos de violência doméstica que julgou “não são particularmente graves” numa entrevista ao Expresso em que considera fazer sentido citar a Bíblia para fundamentar acórdãos sobre agressões motivadas por infidelidade conjugal.

Assumindo-se como “de esquerda”, em termos sociais, mas “conservador”, Neto de Moura mostra-se “totalmente favorável” à igualdade de direitos entre homens e mulheres e nega qualquer misoginia, apesar de defender que a fidelidade conjugal “é importante”.

“Não sou machista, nem misógino ou cavernícola. Sou uma pessoa normalíssima mas tenho alguns valores que podem não ser os atualmente dominantes. Para mim é importante a fidelidade conjugal. Não concebo que duas pessoas estejam a enganar-se”, sublinha o juiz desembargador, que foi transferido da secção criminal para a secção cível do Tribunal da Relação do Porto, deixando de julgar casos de violência doméstica, na sequência de episódios relacionados com suavização de decisões em casos de agressões sobre mulheres.

Questionado como explica ter usado a Bíblia para fundamentar uma sentença em que desculpabilizavam dois homens que agrediram com uma moca de pregos uma mulher, Neto de Moura afirmou que não foi “despropositado”, uma vez que considera que a “sociedade é muito influenciada pela cultura judaico-cristã”, assim, a citação da Bíblia “aparece como uma mera referência histórica” e “faz parte da fundamentação”.

“Para dimensionar a culpa do arguido tem que se ter em conta tudo isso. É uma sociedade muito machista”, diz o juiz, admitindo no entanto que “poderia ter evitado algumas afirmações”.

Sobre os casos polémicos de violência doméstica que julgou, Neto de Moura diz que “se as vítimas se sentiram ofendidas a única coisa que pode fazer é lamentar” e confrontado com as ameaças do ex-marido a uma das vítimas e a necessidade de ter que viver oculta desde que este ficou sem pulseira eletrónica, Neto de Moura admite “ter medo” que lhe aconteça alguma coisa pois tal “seria chocante”, mas insiste que tem que julgar “de acordo com os factos”.

“E os factos não indicavam isso. Nada me fazia supor que o homem, depois dessa condenação, fosse ter atitudes dessas. Espero que não lhe aconteça nada”, disse.

Neto de Moura inconformado com transferência de secção

Na entrevista ao Expresso, Neto de Moura afirma-se “totalmente favorável à igualdade” de direitos entre homem e mulher e mostra-se inconformado com a decisão de o transferir para a secção cível do tribunal portuense, adiantando que vai apresentar este mês o recurso da decisão ao Supremo Tribunal de Justiça.

“Tinha alguma esperança de que [o processo] fosse arquivado. Foi uma decisão muito renhida. Dos oito membros que votaram a favor [da sanção) seis são de nomeação política e só dois é que são juízes”, indica, admitindo ter alimentado a esperança de que o presidente do Supremo “não votasse a favor” da sua penalização.

Neto de Moura considera que se o Conselho Superior da Magistratura não lhe tivesse aplicado a sanção, “seria mal visto por alguma opinião publicada”, até porque “o ambiente à volta teve influência”.

Questionado se está a servir de exemplo, o juiz desembargador responde: “Quero acreditar que não, mas a dimensão que isto tomou faz-me mudar de ideias. Se calhar, estou a servir de exemplo”. Afirma, por outro lado, ter tido o apoio dos colegas. “Sinto que não estou só”.

Ainda assim garante que “está confiante”, embora já não tenha “ilusões” de conseguir chegar a juiz conselheiro.

Neto de Moura, que se encontrava na 1.ª secção criminal, tem sido criticado por decisões judiciais em casos de violência doméstica, tendo-lhe sido instaurado um processo de inquérito pelo Conselho Superior da Magistratura que deliberou aplicar ao juiz a sanção de advertência registada.

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