Conceituado cientista português dos dinossauros acusado de assédio sexual

Investigadoras e alunas da Universidade Nova de Lisboa acusam Octávio Mateus, um dos mais respeitados cientistas portugueses, de assédio sexual. Há casos de 2010 a 2023. “Ele apalpa-as, agarra-as, toca-lhes no rabo e até na zona genital”. Professor nega acusações.

Conceituado cientista português dos dinossauros acusado de assédio sexual

Investigadoras e alunas da Universidade Nova de Lisboa acusam Octávio Mateus, um dos mais respeitados cientistas portugueses, especialista em dinossauros, de assédio sexual. Dezenas de mulheres contam os alegados abusos à revista Sábado e garantem que a Universidade tem conhecimento de tudo há já muitos anos. No entanto, só abriu um inquérito esta semana após o contacto da Investigação Sábado.

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Octávio é professor no Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, também presidente da mesa da assembleia geral do Museu da Lourinhã. Conduziu dezenas de escavações em Portugal e no estrangeiro, descobriu o primeiro dinossauro em Angola, é presidente da Sociedade Portuguesa de Paleontologia e investigador associado do Museu Americano de História Natural de Nova Iorque. E neste mês de abril, foi nomeado para o Conselho Científico da Fundação para a Ciência e Tecnologia, uma instituição pública, tutelada pelo ministério da Ciência e do Ensino Superior. Um currículo impressionante que esconde um lado negro e intimidou muitas das alegadas vítimas.

“Não aguentamos mais”

Há relatos de casos desde 2010 a 2013. Mas a ‘caixa de pandora’ só foi aberta em janeiro do ano passado pelo paleontólogo neerlandês Dann Wolthuis, através de uma publicação a rede social Facebook. “Octávio Mateus, isto é para ti. Devias ter vergonha das tuas ações! Abusaste do teu poder para assediares sexualmente e beijares mulheres sem o seu consentimento. Na área da paleontologia, nunca mais trabalharei contigo e incentivo outros que saibam o mesmo que eu a fazerem o mesmo”, escreveu. “Alguém confiou em mim e contou-me uma história completa sobre o que se passou entre ela e este homem (…) Algum tempo depois, outra mulher confiou-me que ela também tinha experiências semelhantes com este mesmo homem”, continuou.

“Sem grande esforço, recolhemos oito denúncias. Mas já sei que o número de vítimas é muito superior”

“Ele é um cientista muito respeitado e adorado por muitos na sua área (…) mas (…)um homem que abusa da sua posição de poder para intimidar sexualmente mulheres mais jovens, a maioria das quais provavelmente consideram-no uma figura de autoridade numa área em que ambicionam fazer carreira”, denunciou. Várias investigadoras, portuguesas e estrangeiras, comentaram a publicação de Daan Wolthuis, a confirmar a sua veracidade. A publicação chegou à Universidade Nova de Lisboa, mas aparentemente sem grandes consequências, escreve a Sábado. Uma jovem investigadora da Universidade Nova de Lisboa, também ela assediada pelo professor, decidiu começar a recolher denúncias. “Criámos esta plataforma de denúncias muito recentemente porque não aguentamos mais o assédio sexual, assédio moral, intimidação e retaliação”, diz à referida publicação. “Sem grande esforço, recolhemos oito denúncias. Mas já sei que o número de vítimas é muito superior. Há casos de 2010 até este ano de 2023”, assegura. “Tenta beijar as estudantes, apalpa-as, propõe-lhes sexo, agarra-as, toca-lhes no pescoço, no rabo e até na zona genital”, descreve a investigadora.

“O padrão é sempre o mesmo: alunas frágeis e vulneráveis”

A Investigação Sábado ouviu vários relatos na primeira pessoa de alegadas vítimas que pediram para não serem identificadas por se sentirem “desprotegidas”. “O Octávio apalpou-me com várias pessoas ali, mas consegue fazer as coisas de maneira a que ninguém à volta se aperceba”, conta uma aluna de mestrado sobre o que viveu não há muito tempo, adiantando que, noutra ocasião, o professor a tentou beijar na boca. “O padrão é sempre o mesmo: alunas estrangeiras, que estão fora do seu meio, frágeis e vulneráveis, sem família por perto e que estão em fase de adaptação”, revela uma profissional da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, que também pede para não ser identificada.

As mulheres vivem apavoradas com a possibilidade de serem identificadas. “Desculpe, mas temos muito medo de dar a cara. O Octávio Mateus tem muito poder. Através das classificações que nos dá, tem até o poder de decidir quem mantém ou quem perde as bolsas de estudo”, refere uma investigadora. Outra aluna, explica: “É o único mestrado em Paleontologia em Portugal (em associação com a Universidade de Évora). Estamos muito dependentes dele, se quisermos fazer carreira nesta área.” E houve quem não aguentasse a pressão e desistisse: “Ao longo dos anos, várias estudantes desistiram ou suspenderam os mestrados por causa das investidas do Octávio Mateus”, assegura outra profissional da FCT.

“Alertei alguns responsáveis da faculdade. Olharam para mim como se lhes tivesse dito: “olha, está a chover”

Muitas destas denúncias terão chegado à Universidade, que nada fez. “Toda a gente sabe o que se passa, há muitos anos, mas a faculdade quer defender a imagem. E depois, o Octávio Mateus faz muitas publicações em revistas científicas de renome. No fundo, acham que ele prestigia a Universidade Nova de Lisboa”, conta uma das mulheres à Sábado, recordando o dia em que denunciou a situação pela primeira vez, há mais de um ano: “Alertei alguns responsáveis da faculdade e disse-lhes: “Atenção, que temos aqui casos muito sérios de assédio sexual. Olharam para mim como se lhes tivesse dito: “olha, está a chover.”

A paleontóloga holandesa Melanie During diz já não ter “medo” e ‘dá a cara’ para contar à Sábado a sua história. A investigadora recordou o dia em que conheceu Octávio Mateus, em 2014, durante uma conferência em Berlim. “Era uma estudante de mestrado, na Universidade de Utrecht em 2014, tinha 25 anos e era a primeira vez que assistia a uma conferência de paleontologia”, situa. Logo no primeiro dia, um professor holandês apresentou-a a Octávio Mateus, a estrela da paleontologia em Portugal.

“Tocou-me nas pernas, nas ancas. Afastava-o sempre mas ele parecia não ligar”

“Oh, és tão bonita! Ele não falou de nada. Nem de fósseis, nem de trabalho, só falou do meu aspeto. Disse-lhe, imediatamente, que me fazia sentir desconfortável, que eu estava ali para apresentar o meu trabalho. Mesmo quando eu estava a apresentar o meu trabalho, ele apareceu para dizer o quão bonita eu era”, relembra. O pesadelo durou quatro dias. “Ele punha o braço à volta da minha cintura de cada vez que me via. Tocou-me nas pernas, nas ancas. Afastava-o sempre mas ele parecia não ligar. Voltava a fazer o mesmo outra vez (…) Se alguém me fizesse isto num bar, eu simplesmente ter-lhe-ia dado um estalo, mais nada. “Não me toques!”. Mas isto era uma conferência científica. podia ficar conhecida para sempre como a mulher que começou a gritar e que armou um escândalo”, afirma

“Ele não falou de nada. Nem de fósseis, nem de trabalho, só falou do meu aspeto”

E continua: “Parecia muito natural para ele. E por isso que, anos depois, decidi avançar com isto porque receio pelo que outras mulheres tenham vivido. Estava numa conferência pública com ele, imagina estar sozinha com ele no terreno. Soa de forma terrível (…) Se ele não hesita em apalpar uma estudante estrangeira ao acaso numa conferência internacional, como é que tratará as estudantes dele no laboratório?”, reforça. Melanie During foi contactada, recentemente, pela investigadora da Universidade Nova que está a reunir as queixas. “Acho que ela me contactou porque eu comecei a falar disto em conferências. Na última conferência da Associação Europeia de Paleontólogos de Vertebrados, houve um jantar e uma reunião do comité contra o assédio e eu falei. Já não tenho medo. Sou uma estudante de doutoramento [numa universidade sueca], estou numa boa posição, tenho um coordenador que acredita em mim e estou a fazer um bom trabalho. Sinto-me mais segura para falar”, diz. “Sei que vou precisar de um emprego dentro de um ano ou dois e posso ser afetada. Sou mãe, portanto, também tenho de cuidar da minha família, então, não quero perder tudo. Se eu for conhecida na comunidade académica como alguém que denuncia assédio, terei sempre esse rótulo, “menos atraente” para ser contratada. Isto ainda é um mundo de homens!”, refere.

Universidade Nova abre inquérito e Museu da Lourinhã “sem conhecimento formal”

Octávio Mateus é presidente da mesa da Assembleia Geral do Museu da Lourinhã, que nega conhecimento dos abusos. “O GEAL, entidade que tutela o Museu da Lourinhã, não tem qualquer conhecimento formal de denúncias da natureza questionada”, diz representante do museu à Sábado.  E conclui: “A direção foi, contudo, há vários meses, alertada para o facto de terem aparecido nas redes sociais referências a um alegado caso dessa natureza, no entanto não houve qualquer formalização, não resultando, por essa razão, qualquer procedimento.” Apesar das várias queixas, e da já referida publicação do cientista holandês no Facebook, só esta semana é que a Universidade Nova decidiu abrir um inquérito, após contacto da Sábado

“A Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Nova recebeu (..) a 22 de abril de 2023, uma carta sobre alegados factos que podem configurar a prática de assédio sexual e que visam o professor Octávio Mateus (…) Mal tomou conhecimento da carta, o diretor da FCT Nova reuniu com os signatários da mesma. A 24 de abril, a queixa foi submetida ao portal de denúncias(..) A 26 de abril, a Reitoria da Nova abriu um processo de inquérito, que está, de momento, a decorrer (…) A FCT Nova tem uma política de tolerância zero para comportamentos de má conduta e/ou de assédio, seja ele de que índole for”, justifica à referida revista.

Octávio Mateus nega “veementemente qualquer acusação de assédio sexual”

Octávio Mateus que recusou uma entrevista, mas decidiu respondeu por escrito à Investigação Sábado, negando qualquer acusação. “Respondo a todas as suas perguntas com uma só expressão: nego veementemente qualquer a acusação de assédio sexual! O tema é de extrema gravidade, coloca em causa o bom nome do visado e depois de publicitado, independentemente, da sua inveracidade, o nome ficará sempre manchado, assim, agirei em conformidade, quanto tiver conhecimento de alguma publicação atentatória contra o meu bom nome, consideração pessoal e profissional.”

E termina: “Os meus advogados, se tal acontecer, já estão mandatados para apresentar a competente queixa-crime por difamação, pois a liberdade de expressão não pode, jamais, pôr em causa, o bom nome e a reputação dos cidadãos. Como docente tenho-me pautado pela ética, transparência, diligência e colaboração e, acima de tudo, pelo respeito dos alunos e das alunas”. Também a investigadora que está a recolher as denúncias contactou Octávio Mateus: “Também conversámos com o Octávio sobre o seu comportamento, mas ele recusa que esteja a agir de modo errado. Diz que são manobras das “ex” de vingança pessoal contra ele”, diz a jovem.

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