Britânicos sobrevivem de ração para cães e aquecem refeições em velas

Os preços de supermercado dispararam rápida e drasticamente no Reino Unido atingindo recordes. Parte da população não tem dinheiro para os bens essenciais e alimenta-se de ração para cães e aquece as refeições em velas ou radiadores.

Britânicos sobrevivem de ração para cães e aquecem refeições em velas

O mundo atravessa uma crise sem precedentes. O choque da covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia estão a aumentar a inflação em todos os países, atingindo as carteiras das famílias. O Reino Unido é um dos mais afetados, onde os preços de supermercado subiram drasticamente. A inflação nos bens alimentares atingiu em outubro o valor mais alto desde 1977 – 16,4%. Com destaque para produtos básicos como o leite, a manteiga, o queijo, a massa e os ovos. As contas do gás e eletricidade estão a custar mais 88,9% em média do que há um ano.  Cada vez mais pessoas estão a queixar-se das dificuldades que sentem para pagar as contas, nas quais se incluem o aumento das taxas de juro do crédito à habitação, os preços dos transportes e outras despesas em geral. Muitas contam que estão já a passar privações, evitando ligar o aquecimento da casa, usar o automóvel ou saltando refeições.

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Há britânicos a sobreviver de comida para animais, como revelou, em entrevista à BBC, Mark Steed, que gere um projeto comunitário de alimentação chamado The Pantry. “Estou chocado com o facto de termos pessoas que estão a comer ração para animais de estimação, pessoas que estão a aquecer a sua refeição em velas ou radiadores”, disse. Este projeto serve cerca de 30 famílias por semana, que pagam 5 libras (cerca de 5,80 euros) por um cabaz de alimentos.

Bancos alimentares cada vez mais procurados num Reino Unido em crise

Nos últimos meses, são cada vez mais as pessoas que procuram ajuda e frequentam bancos alimentares. A organização Trussell Trust, que apoia mais de 1.300 bancos alimentares em todo o país, disse estar com “dificuldades” para acompanhar “um tsunami” de procura e já esgotou as provisões de reserva que normalmente deixa para o inverno, quando existe mais necessidade. A presidente executiva, Emma Revie, descreveu uma “tempestade perfeita de aumento dos preços da energia, inflação e uma potencial recessão que está a empurrar as pessoas ainda mais para a pobreza”.

Nos últimos seis meses, a organização recebeu 320.000 pessoas que se inscreveram num dos bancos alimentares da Trussell Trust, um aumento de 40% em relação a 2021. Uma sondagem publicada pela estação ITV News esta semana revelou que 88% dos britânicos estão preocupados com o impacto da crise, com 23% com menos de 100 libras (115 euros) de poupanças e 24% a correr a empréstimos ou cartão de crédito para fazer face a despesas correntes.

A ansiedade está a transformar-se em descontentamento, com um número crescente de sindicatos a anunciar greves para exigir um aumento de salários que compense a perda do poder de compra após anos de ordenados congelados na função pública.

O Royal College of Nursing, que representa cerca de 300.000 enfermeiros, votou pela primeira vez em 106 anos de história a favor de uma greve, e professores deverão fazer o mesmo, juntando-se a trabalhadores dos transportes e correios.

No banco alimentar do centro comunitário português em Londres, Arthur, de 40 anos, revelou à Lusa que trabalha para um organismo financeiro público, mas que os cabazes do banco alimentar “ajudam muito”, sobretudo legumes, que também estão a ficar mais caros nas lojas. “Ajuda a preencher os buracos. O custo de vida mais caro implica que agora sou mais cuidadoso sobre quando saio, em que lojas compro. Noto que os preços aumentaram, ou as embalagens estão mais pequenas”, adianta.

A voluntária Maria da Luz Diogo, de 74 anos, diz que ajuda porque ainda sente um “espírito de escuteira” de “ajudar o semelhante”, dispondo-se a carregar um saco para o vizinho colombiano e produtos que acabam a ajudar o filho e netos. A maneira alegre e enérgica desta portuguesa como recebe as pessoas e carrega as caixas de alimentos é contagiosa, tendo criado relações de afeição com alguns “clientes”, apesar da barreira linguística.

A letã Ingrid, que também ‘tropeça’ na língua inglesa, é uma das frequentadoras mais assíduas, não só por causa dos donativos que recebe, mas também pelo curto convívio social, tendo ali feito amizade com duas lituanas que também falam russo. “A primeira vez que vim tive muita vergonha porque eu sempre trabalhei muito a vida inteira. Mas agora é uma razão para tirar o pijama e vestir-me e sair de casa”, confidencia, prometendo tricotar mais cachecóis e meias para quem quiser.

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