Visita de Marcelo e Van Dunem ao DCIAP deu “cobertura política” a abusos do MP, diz José Sócrates

O antigo primeiro-ministro José Sócrates acusou o Presidente da República e a ministra da Justiça de terem dado “cobertura política” a alegados abusos cometidos contra si pelo Ministério Público, através de uma visita ao DCIAP.

Visita de Marcelo e Van Dunem ao DCIAP deu

O antigo primeiro-ministro José Sócrates acusou o Presidente da República e a ministra da Justiça de terem dado “cobertura política” a alegados abusos cometidos contra si pelo Ministério Público, através de uma visita ao DCIAP.

As acusações de José Sócrates constam do livro da sua autoria “Só agora começou”, que hoje foi colocado à venda, editado pela Atual, uma chancela das Edições Almedina, com prefácio da antiga Presidente do Brasil Dilma Rousseff, e que foi escrito entre março e setembro de 2018.

Sobre o executivo liderado por António Costa, o antigo primeiro-ministro argumenta, no livro, que “não é verdade que o Governo se mantivesse completamente afastado e neutral quanto ao desenvolvimento do processo, porque, afinal, quando foi preciso mostrar de que lado estava, não hesitou em fazê-lo”.

“Nas vésperas de mais um adiamento dos prazos do processo, a senhora ministra da Justiça [Francisca Van Dunem] decidiu acompanhar o senhor Presidente da República numa extraordinária e totalmente inédita visita presidencial ao DCIAP [Departamento Central de Investigação e Ação Penal], visita essa que só podia ser interpretada, como foi, como um ato de cobertura política aos abusos que cometeram contra mim”, escreve José Sócrates.

Para o antigo primeiro-ministro, “antes de violar de novo a lei, o Ministério Público quis, e obteve, um sinal de proteção política”, e “o Presidente [Marcelo Rebelo de Sousa] e a senhora ministra da Justiça, dando atualização a essa velha cultura de proteção oficial”, dispuseram-se ao “lamentável papel de amparo dos abusos institucionais cometidos”.

“Como é próprio dessa cultura, ambos fingiram então que o objetivo era visitar ‘uma peça fundamental da justiça’. Sem ilusões sobre os protagonistas, escrevo só para registo futuro. O Presidente deve obediência à Constituição, e o mais sagrado dessa Constituição são os direitos individuais, não é a proteção descarada de uma instituição que abusa dos seus poderes e comete violências injustificadas”, sustenta.

Esta argumentação está incluída no capítulo “Post Scriptum”, quase na totalidade dedicado ao PS e à posição da direção socialista de António Costa, relativamente à qual Sócrates considera que o “mais difícil” foram “os três longos anos em que o PS assistiu, sem nada dizer, a um cúmulo de excessos, de abusos e de ilegalidades cometidas pelo Estado” contra si.

Numa referência também à liderança socialista de António José Seguro, Sócrates escreve que “já tinha passado por situação semelhante, quando a anterior direção do PS, perante os ataques políticos que eram feitos ao Governo, se decidia pelo silêncio”, mencionando o chumbo no parlamento do Programa de Estabilidade e Crescimento.

Sobre a direção socialista de António Costa, Sócrates escreve que “o silêncio não só normalizou os abusos como tornou o PS cúmplice dessas arbitrariedades” e dá como exemplos de abusos e “ilegalidades das autoridades”: “a detenção-espetáculo”, a “prisão sem factos nem provas”, a “prisão para humilhar, para investigar e para criar uma injusta e ilusória imagem de culpabilidade”, a “inacreditável campanha de difamação promovida pelos agentes estatais com a violação do segredo de justiça”, a “escandalosa violação dos prazos de inquérito previstos na lei”.

Segundo José Sócrates, o silêncio do PS “nada teve a ver com respeito pela independência judicial, mas com a óbvia interpretação desse silêncio como aquiescência perante os abusos das autoridades”.

“No fundo, o silêncio do PS legitimou uma certa política de justiça”, conclui.

Sem nunca mencionar o nome de António Costa, Sócrates debruça-se sobre a “pergunta da traição”, escrevendo que no aspeto pessoal não pode dizer que “houvesse qualquer traição ao espírito de camaradagem por parte do atual líder do PS para com quem o antecedeu no cargo, pela simples razão de que não se atraiçoa o que nunca existiu”, apontando que, “no caso, o companheirismo é instrumental”.

Contudo, no plano político, acusa a direção do PS de não ter honrado a sua declaração de princípios – que considera “primaciais a defesa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos” -, e de ter feito uma escolha, “com base na oportunidade e no interesse da sua liderança”.

“Ao dar livre passe à direita para me difamar e ofender, pretendeu poupar-se como alvo. Por outro lado, os ataques que a direção do partido deliberadamente ignorou serviram também como remédio para algo que sempre a assombrou — o único líder que teve uma maioria absoluta deveria ser removido da história do PS”, acusa.

“Mas nem sempre as coisas correm como planeado e às vezes os mais maquiavélicos são também os mais ingénuos. Digamo-lo assim, como Ulysses Guimarães — ‘a política ama a traição, mas despreza o traidor'”, conclui.

Ao longo do livro, José Sócrates procura estabelecer um paralelismo entre a sua situação judicial e a do antigo Presidente do Brasil Lula da Silva, o que é assumido logo no prefácio, assinado por Dilma Rousseff, que sucedeu a Lula na chefia do estado brasileiro e foi afastada por um processo de destituição (‘impechement’).

Para Dilma Rousseff, tanto Lula como Sócrates são vítimas do designado ‘lawfare’, o “uso da lei como arma de destruição civil e criminal de líderes políticos, caracterizando o que foi conhecido como justiça do inimigo”.

Na sexta-feira, o juiz de instrução criminal Ivo Rosa decidiu mandar para julgamento o ex-primeiro ministro José Sócrates, o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, o banqueiro Ricardo Salgado, todos por crimes económicos e financeiros, mas deixou cair as acusações de corrupção e fraude fiscal.

Dos 27 arguidos, Ivo Rosa pronunciou apenas estes cinco e ilibou, entre outros, os ex-líderes da PT Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, o empresário Helder Bataglia e o ex-administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca, que estava indiciado por 21 crimes.

Dos 189 crimes que constavam na acusação, num processo que começou a ser investigado em 2013, só 17 vão a julgamento, mas o procurador Rosário Teixeira, responsável pelo inquérito, anunciou que ia apresentar recurso da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa.

 

 

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