Investigadores de laboratório em Coimbra são os Sherlock Holmes que descobrem o que mata as plantas

No Laboratório de Fitossanidade (Fitolab), em Coimbra, descobrir que doenças afetam as plantas pode ser um trabalho que por vezes transforma os investigadores numa espécie de Sherlock Holmes e, tal como na criminologia, também há casos que acabam arquivados.

Investigadores de laboratório em Coimbra são os Sherlock Holmes que descobrem o que mata as plantas

O Fitolab é, desde junho de 2022, o único laboratório nacional de sanidade vegetal com ensaios acreditados pelo IPAC (Instituto Português de Acreditação). Esta estrutura cumpre com o regulamento da União Europeia e atua na deteção e investigação de doenças das plantas. Naquele laboratório do Instituto Pedro Nunes, por vezes, pode aparecer um produtor com uma árvore morta nas mãos e dizer que tem “mais três ou quatro a morrer”, sem saber o que causa o declínio da cultura. É nesses momentos que os investigadores do laboratório têm de se assumir como “uma espécie de Sherlock Holmes” e tentar descobrir a causa da morte da planta, disse à agência Lusa Joana Costa, que divide a direção do Fitolab com António Portugal.

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A microbióloga recordou os tempos em que fazia epidemiologia, nomeadamente em torno da legionela, e consegue traçar um paralelo entre o que faz agora com as plantas. “Andávamos à procura nos reservatórios ou procurávamos no pulmão da pessoa para perceber se era a mesma estirpe. Aqui, fazemos a mesma coisa. Umas vezes, por métodos de cultivo, outras vezes por métodos moleculares. E, agora, até queremos ir mais além e sequenciar o genoma destes organismos para perceber de onde vêm, se são relacionados com outros, quais os fatores de virulência associados, mas é epidemiologia pura”, reconheceu.

Este laboratório, que arrancou em 2012 e que conta com suporte científico por parte de docentes e investigadores do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, trabalha com o Governo, autarquias, viveiristas, produtores florestais e agricultores, do Algarve a Trás-os-Montes, num processo que nunca é rápido, mas que pode ter diferentes graus de complexidade.

Há sintomas reconhecíveis que apontam logo para determinadas doenças e organismos, outros em que é preciso ir ao terreno – algo bastante comum – perceber se há efetivamente uma doença e de que forma afeta a planta. “Ainda há pouco, fomos por causa de umas batateiras e havia uma zona da plantação que estava em pleno declínio. Fomos ver se o problema era da raiz, se era do colo, se estava nas folhas. E acabámos por conseguir identificar o organismo, que era um fungo”, notou.

No laboratório, atua-se em quatro áreas técnicas – bacteriologia, microbiologia, nematologia e virologia -, consoante o agente nocivo que afeta a saúde das plantas. Se, em alguns casos, identificando o hospedeiro e a sintomatologia, torna-se mais fácil descobrir qual a doença, em outros é preciso seguir um processo de tentativa e erro, aclarou Joana Costa. Tal como na investigação criminal, aqui “também há ‘cold cases’ [casos arquivados]”, que muito deixam frustrados os investigadores. “Há um caso muito interessante, que está a acontecer em Itália e agora também já em França, que tem provocado um declínio das plantações de kiwi, com um impacto que chega a ser de 70% e não percebem o que é. É um ‘cold case’ com cinco anos e há centenas de pessoas a tentar, a darem o seu ‘bitaite’ e ainda ninguém sabe o que aconteceu”, frisou.

Face à possibilidade de novas doenças ou hospedeiros serem identificados no país, a equipa está em permanente atualização, sempre “em cima da literatura científica”. “Quando identificámos o ‘diaporthe’ em kiwis, que é uma doença que não estava em Portugal, houve alguém que tinha lido um artigo sobre a doença, sobre os sintomas, voltámos atrás e acabámos por confirmar que era ‘diaporthe'”, recordou, salientando também a importância de trabalhar em rede com outros laboratórios europeus, partilha que permite ajudar a identificar uma doença. A globalização, as culturas intensivas e as alterações climáticas obrigam a essa necessidade constante de atualização, salientou Joana Costa.

No caso das alterações climáticas, as plantas, face às temperaturas extremas e invernos menos rigorosos, acabam por estar mais suscetíveis a doenças – “algumas delas que não tinham efeitos perniciosos, de um momento para o outro, passam a ter efeitos catastróficos”. Para além disso, a alteração das condições climáticas pode também significar um ambiente mais propício para a multiplicação de insetos que transmitem as doenças. Já a globalização tem trazido para o país doenças e hospedeiros que, de outra forma, não chegariam a Portugal. “Temos plantas a chegar aos nossos portos de todo o mundo. Há doenças que nunca chegariam cá e passam a chegar. Um dos casos mais conhecidos é o do nemátodo, que se julga ter entrado pelo porto de Sines, em madeiras exóticas para a Expo98 e depois estabeleceu-se no país. É, de longe, a principal preocupação para a fileira do pinho”, realçou.

Outra questão que também influencia a progressão de doenças e pragas são as monoculturas que se vão estabelecendo pelo país, nomeadamente no Alentejo e na Beira Interior. “Onde não há heterogeneidade da paisagem, o organismo nocivo entra e não tem problema nenhum em multiplicar-se e expandir-se”, alertou. Com o intensificar de todos estes fenómenos, espera-se que o trabalho do Fitolab continue a aumentar, com novas doenças e novos hospedeiros que, mais tarde ou mais cedo, acabem por chegar ao país.

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