Diretora da Vogue Brasil despede-se depois de celebrar os 50 anos com festa sobre a escravatura

A diretora da Vogue Brasil, Donata Meirelles, causou polémica depois de celebrar os 50 anos com uma festa de aniversário alusiva à escravatura.

A diretora da Vogue Brasil, Donata Meirelles, viu o seu nome envolvido numa polémica, depois de partilhar fotografias da celebração dos seus 50 anos. A socialite decidiu dar uma festa de aniversário, que durou dois dias, alusiva à escravatura.

A celebração aconteceu na passada sexta-feira, 8 de fevereiro, no Palácio da Aclamação, em Salvador, Bahia. Donata teve direito a um «trono de sinhá», onde posou ao lado de mulheres negras vestidas de branco.

Aquilo que era suposto ser uma «celebração da negritude» instalou a polémica nas redes sociais com utilizadores a acusarem-na de «colonialismo recreativo».

«Escravizar nem de brincadeira», escreveu no Instagram a cantora Elza Soares, que recriou uma foto inspirada na festa, acompanhada de uma longa mensagem, onde fala dos tempos em que jogadores cariocas «passavam pó de arroz no rosto para entrarem em campo, já que não ‘pegava bem’ ter a pele escura».

 

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Gentem, sou negra e celebro com orgulho a minha raça desde quando não era “elegante” ser negro nesse país. Quando preto não usava o elevador dos “patrões”. Quando pretos motorneiros dos bondes eram substituídos por brancos em festividades com a presença de autoridades de pele branca. Da época em que jogadores de um clube carioca passavam pô de arroz no rosto para entrarem em campo, já que não “pegava bem” ter a pele escura. Desde que os garçons de um famoso hotel carioca não atendiam pretos no restaurante. Éramos invisíveis. Celebro minha raça desde o tempo em que gravadoras não davam coquetel de lançamento para os “discos dos pretos”. Celebro minha origem ancestral desde que “música de preto” era definição de estilo musical. Grito pelo meu povo desde a época em que se um homem famoso se separasse de sua mulher para ficar com uma negra, essa ganhava o “título” de vagabunda, mas não acontecia se próxima tivesse a pele “clara”. Sou bisneta de escrava, neta de escrava forra e minha mãe conhecia na fonte as histórias sobre o flagelo do povo negro. Protesto pelos direitos da minha raça desde que preta não entrava na sala das sinhás. Gentem, essas feridas todas eu carreguei na alma e trago as cicatrizes. A maioria do povo negro brasileiro. Feridas que não se curaram e são cutucadas para mantê-las abertas demonstrando que “lugar de preto é nessa Senzala moderna”, disfarçada, à espreita, como se vigiasse nosso povo. Povo que descende em sua maioria dos negros que colonizaram e construíram o nosso país. Hoje li sobre mais uma “cutucada” na ferida aberta do Brasil Colônia. Não faço juízo de valor sobre quem errou ou se teve intenção de errar. Faço um alerta! Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo, sua memória, os flagelos do seu povo, ao escolher um tema para “enfeitar” um momento feliz da vida. Felicidade às custas do constrangimento do próximo, seja ele de qual raça for, não é felicidade, é dor. O limite é tênue. Elegância é ponderar, por mais inocente que sua ação pareça. A carne mais barata do mercado FOI a carne negra e agora NÃO é mais. Gritaremos isso pra quem não compreendeu ainda. Escravizar, nem de brincadeira. Seguimos em luta ✊🏾

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A festa contou com a presença de inúmeras celebridades e incluiu um concerto de Caetano Veloso, segundo avança a ‘Veja’. Donata Meirelles terá contado com uma mensagem em vídeo do ex-presidente dos EUA Bill Clinton.

A até então diretora da Vogue Brasil tentou esclarecer a polémica, um dia depois da festa. «Nas fotos publicadas, a cadeira não era a de Sinhá, e sim de candomblé, e as roupas não eram de mucama, mas trajes de baiana de festa. Ainda assim, se causamos uma impressão diferente dessa, peço desculpas. Respeito a Bahia, sua cultura e suas tradições, assim como as baianas, que são Património Imaterial desta terra que também considero minha e que recebem com tanto carinho os visitantes no aeroporto, nas ruas e nas festas. Mas, como diria Juscelino, com erro não há compromisso e, como diz o samba, perdão foi feito para pedir».

A Vogue Brasil emitiu um comunicado esta terça-feira, 12 de fevereiro, a dar conta da demissão de Donata. A publicação diz lamentar «profundamente» a situação.

A associação responsável por alguns elementos envolvidos na figuração também foi alvo de ataques online, o que levou à formalização de uma queixa na polícia.

Este é uma luta com muitos precedentes, mas sem fim à vista. A primeira vez que a revista Vogue Brasil colocou uma mulher negra na capa foi em 2011. 36 anos depois de ser lançada a primeira revista.

 

 

 

 

 

 

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