São as ciclovias cada vez mais responsáveis pelo pára-arranca nas cidades?

Forma barata e ecológica de deslocação, a bicicleta ganhou o seu espaço e multiplicam-se as redes de ciclovias. Estarão estes corredores ‘verdes’ a estrangular ainda mais a circulação nas cidades?

São as ciclovias cada vez mais responsáveis pelo pára-arranca nas cidades?

Um dos temas mais polémicos da campanha em Lisboa para as eleições autárquicas, debatido fervorosamente entre Fernando Medina e Carlos Moedas, foi exatamente este: ciclovias. Forma saudável, ‘verde’ e económica de deslocação, estará no entanto a ciclovia a estrangular ainda mais a circulação das cidades?

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Os números indicam que cada condutor particular passou 54 horas a circular no interior de Lisboa e 30 no Porto. Antes da pandemia, contudo, o tempo despendido no pára-arranca era bem pior. Em 2019, os lisboetas passaram 88 horas no carro e, os portuenses 54 horas no trânsito. Neste verão – imediatamente antes de Moedas ter conquistado Lisboa a Medina e de Rui Moreira ter sido reconduzido na Invicta –, Lisboa tinha 181,5 quilómetros de pistas cicláveis e o Porto 54 quilómetros exclusivos para bicicletas.

Perante esta realidade, serão as ciclovias a solução ou estarão elas próprias a contribuir para agravar o congestionamento do tráfego nas grandes cidades? A questão colocou-se na cidade do Mundo onde é mais lento circular, Londres. Em média, cada londrino passou 148 horas em engarrafamentos neste ano – o dobro da média nacional, de acordo com um novo relatório da Inrix, empresa que analisa o tráfego rodoviário. Os resultados foram aliás alvo de notícia na BBC, que atribuiu a responsabilidade pela crescente lentidão ao aumento do número de ciclovias na metrópole. A análise no entanto parece ignorar o facto de que o congestionamento desde 2021 foi quase o mesmo do de 2019 e antes.

Para a interpretação eficaz do fenómeno, é necessário um enquadramento. O tempo disponível de cada cidadão limita a quantidade de viagens. Sendo necessário ‘encaixar’ muitas tarefas em 24 horas, em média, as pessoas passam apenas uma hora em movimento – o que limita forçosamente o congestionamento nas cidades.

A cidade adaptar-se-á sempre

O congestionamento do tráfego rodoviário ocorre conforme a densidade de automóveis nas vias e “se os volumes de tráfego aumentam por qualquer motivo, os atrasos aumentam e algumas pessoas acabam por escolher meios alternativos para se movimentarem”, diz David Metz, professor honorário de Estudos sobre Transportes da University College London. Deste modo, a população pode “viajar num horário diferente ou optar por outra rota, outro meio de transporte, como o autocarro ou mudar o destino e ir a outro centro comercial, por exemplo”. “Ou pode até decidir não sair de casa, fazendo as compras online”, sugere. Na verdade, prevê, “se o espaço rodoviário for retirado aos automóveis para a criação de ciclovias ou mais faixas exclusivas para transportes públicos, o congestionamento aumentará inicialmente, mas os atrasos adicionais farão com que alguns condutores tomem providências e o congestionamento acabará por regressar aos níveis anteriores”.

O efeito geral acabará por ser a redução da proporção de viagens de carro. É o que tem acontecido em Londres há anos, à medida que a população foi crescendo e e aplicados grandes investimentos nos transportes públicos. O uso do transporte privado caiu de 48% em 2000 para 37% em 2019, enquanto o dos transportes públicos cresceu de 27% para 36%, no mesmo período. O número de ciclistas duplicou neste mesmo tempo, de 1,2% para 2,4%. O número de peões – que se deslocam sempre a pé – manteve-se estável, nos 25%. A estratégia para o transporte da câmara municipal de Londres visa cortar a utilização do transporte privado para 20% de todas as viagens até 2041. A concretizar-se, “a medida diminuiria muito provavelmente a quantidade total de congestionamentos, embora não necessariamente a sua intensidade nas horas-de-ponta nas áreas mais movimentadas”, prevê Metz.

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Os limites das ciclovias

A criação de ciclovias “reduz o espaço disponível para os automóveis, naturalmente, mas não tira as pessoas dos carros”. Copenhaga é uma cidade famosa pela utilização da bicicleta como meio de transporte, com 28% das viagens feitas a pedalar. Porém, o tráfego de automóveis é apenas um pouco menor do que o de Londres. Além do ciclismo, a outra grande diferença é que o transporte público responde por apenas metade da proporção das viagens comparativamente a Londres.

A conclusão acerca de Copenhaga é a de que “as pessoas podem ser persuadidas a trocar autocarros por bicicletas, mais baratas, mais saudáveis, melhores para o meio ambiente e não mais lentas quando o trânsito está congestionado”. Ainda assim, “os autocarros são uma forma eficiente de usar o espaço rodoviário para o transporte da população nas áreas urbanas”. Substituir motores a diesel por propulsão elétrica ou a hidrogénio também poderia reduzir as emissões de carbono. “Tirar os condutores dos carros e colocá-los em bicicletas tem-se revelado difícil, mesmo em Copenhaga, cidade pequena e plana com excelentes infraestruturas para ciclistas e forte cultura de ciclismo.”

Numa série de cidades europeias, “existem diversos padrões de viagens por diferentes modos de viajar, que são o reflexo da história, da geografia, do tamanho e da densidade populacional de cada lugar”. Mas “não existem grandes cidades com altos níveis de ciclismo e transporte público combinados”. As perspectivas de um aumento substancial do uso de bicicletas e de ciclovias em Londres “estão longe de serem as acertadas”, dado o nível “relativamente alto de uso anterior do transporte público”. De qualquer modo, o próprio ato de “criar ciclovias reduz o espaço rodoviário para carros, independentemente da extensão em que essas faixas são utilizadas”.

A pandemia de covid-19 teve “grande impacto no uso dos transportes públicos” em Londres, com viagens de autocarro e metropolitano ainda em 70 a 75% dos níveis pré-pandêmicos. As perdas podem significar que a “Transport for London tenha de reduzir os serviços, a menos que o Governo aumente os valores perdidos”. Investimentos adicionais em “mais rotas ferroviárias, tanto metropolitanas ou subterrâneas, não seriam possíveis nestas circunstâncias”. O investimento em infraestruturas para bicicletas “faria mais sentido para reduzir o uso do automóvel” em Londres, tanto através do “incentivo ao uso da bicicleta quanto pela redução do espaço para as pessoas se deslocarem de carro”, acredita David Metz. Conclusão: as ciclovias podem de facto retirar espaço aos carros e contribuir para os engarrafamentos, mas “é uma questão de tempo até que as pessoas criem novos hábitos de se transportarem e se adaptem”.

Luís Martins

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