LUCINDA

Quando a Eunice voltou a Lisboa, enviou uma mensagem para mim e para a chefe de redação, Neuza Gomes. Desculpa, miúda, mas vou publicar aqui o teu SMS na íntegra.

LUCINDA

Na terça-feira, 7, apanhei uma jornalista a chorar no corredor da empresa. Fiquei preocupado. Depois de lhe perguntar o que tinha, pediu-me para a deixar sozinha. Continuou a andar. Não fui atrás. Não sei porquê, senti que não era um choro normal. Daqueles choros que revelam zangas, má disposição ou até discussões patetas. Entrei na redação e perguntei o que tinha acontecido. Ninguém percebeu. Ninguém tinha uma resposta. Até que surgiu uma ideia: a Eunice Gaspar estava a escrever a matéria sobre o primeiro bebé nascido em Portugal filho de um casal de refugiados. 

“Sobreviveram a tiros, a uma viagem num barco de borracha. Uma longa viagem. Ataram-se com um cinto. Se fossem ao fundo, afogavam-se juntos. Ao salvarem-se, seria juntos. E foi. E nasceu Lucinda”

Uns dias antes, a equipa de reportagem da NOVA GENTE foi a Miranda do Corvo. No saco, levaram uma lembrança. Não era para menos. O exemplo também tem de partir de nós. Todos concordaram. A norte do País, conheceram Fawzi e Noura. Este casal de sírios fugiu da guerra e, em Portugal, viu nascer o fruto do seu amor. Sobreviveram a tiros, a uma viagem num barco de borracha. Uma longa viagem. Ataram-se com um cinto. Se fossem ao fundo, afogavam-se juntos. Ao salvarem-se, seria juntos. E foi. E nasceu Lucinda.

“Ao fazer aquela reportagem, lembrei-me das razões pelas quais em garota achava que me faziam querer trabalhar como jornalista. Dei por mim a segurar as lágrimas enquanto fazia a entrevista e levei um banho de realidade e humanidade”

Quando a Eunice voltou a Lisboa, enviou uma mensagem para mim e para a chefe de redação, Neuza Gomes. Desculpa, miúda, mas vou publicar aqui o teu SMS na íntegra: “Chefinhos, queria dizer-vos que hoje, ao fazer aquela reportagem, lembrei-me das razões pelas quais em garota achava que me faziam querer trabalhar como jornalista. Esta reportagem não é comercial, nem uma capa, nem vai fazer vender mais revistas, e sei que os números são os nossos ditadores, mas deu-me um prazer enorme. Dei por mim a segurar as lágrimas enquanto fazia a entrevista e levei um banho de realidade e humanidade que me fizeram soltar as lágrimas agora que cheguei a casa. Beijinhos aos dois e obrigada pela oportunidade de fazer este trabalho, que foi também uma experiência marcante a nível pessoal”.

A Lucinda é o futuro e nós estivemos lá a registá-lo. Não chores mais, Eunice.

Humberto Simões

Humberto Simões | diretor da revista Nova Gente

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