Palavra de deputado: «Venha o primeiro filho da p*ta dizer que eu alguma vez menti»

Advertência: a conversa com o deputado cujo nome é omitido, transcrita exatamente nos termos aqui reproduzidos, contém linguagem imprópria.

Palavra de deputado: «Venha o primeiro filho da p*ta dizer que eu alguma vez menti»

Há tempos, fui ao Parlamento entrevistar um deputado. A convite dele, porque preferia não falar por telefone, visitei-o na data e na hora que me indicou.

Esta conversa está gravada, apesar de ele ter insistido bastante para que eu não registasse nada. Não se importava, porém, que tirasse apontamentos. Disse-lhe que não haveria qualquer conversa se ele voltasse a insistir para que eu não gravasse a entrevista. Aceitou. Liguei o gravador.

Os deputados (e os políticos, no geral) não se acham intocáveis. Mais do que isso, sabem que são impunes e afrontam-se de cada vez que se sentem escrutinados. Segue a conversa, integral.

A conversa que o deputado não queria que fosse gravada

Apresenta «motivo de doença» para ter faltado 41 vezes.

Não pus doença. Devo ter metido questões de saúde, que é uma coisa diferente.

No site do Parlamento a justificação que existe é «doença» e não «saúde». A questão é que em algumas dessas ocasiões o Sr. deputado não aparenta estar doente, ou ter questões de saúde, como prefere. Posso apresentar-lhe situações concretas.

Diga.

No dia 5 de fevereiro de 2015, colocou fotos no seu Facebook numa pastelaria próxima aqui da Assembleia. Faltou à reunião plenária, apresentou «motivo de doença» para não ter estado presente. Mas esteve na pastelaria.

Sim. E então?

Nos dias 18 e 19 de dezembro de 2014, também apresentou «motivo de doença» para ter faltado a duas reuniões plenárias. No dia 18 estava a viajar de comboio ao fim do dia para o Porto e na manhã seguinte, dia 19, estava a tomar o pequeno-almoço com Pinto da Costa. Aceita que situações como estas levantam a suspeita de que os motivos apresentados ao Parlamento – doença ou saúde – não correspondem à verdade?

Sempre que eu pus que me tinha ausentado, ou que não tinha podido estar em sessões ou em votações por razões de saúde, foi por razões de saúde. Ou porque tive de ir ver um médico ou porque tive de ir sofrer um tratamento, etc. É tão simples como isso. Agora, se você parte do princípio de que eu sou mentiroso, não tem problema nenhum…

Estou a fazer perguntas, a pedir-lhe um comentário.

Só lhe posso dizer que as últimas três intervenções que eu fiz em termos de um tratamento no joelho, que resulta de uma dificuldade… Mas eu não quero, eu não quero… Do ponto de vista público, eu tenho é de dizer que tenho um problema no joelho, mas eu não quero, não quero! Não tenho de dizer isso, está a perceber? Eu sempre fui tratado no Porto. Três das intervenções que tive, uma foi em Lisboa e outra foi no Porto. Agora, se você parte do princípio – basta olhar para si para perceber – que está construída aqui uma coisa, tudo bem.

Estou somente a colocar-lhe questões porque há indícios de que não batem certo determinadas vezes em que apresentou motivo de doença para faltar a reuniões plenárias. Por exemplo: no dia 9 de outubro de 2013, justificou a sua falta a uma reunião plenária com «motivo de doença?, mas esteve, nessa exata data, num almoço-debate no International Club of Portugal. No dia seguinte, a notícia sai no Diário de Notícias – e, de resto, o Sr. partilha no seu Facebook uma imagem dessa notícia – a dar conta da sua presença ali. Ou seja: que doença ou motivo de saúde o impediu de estar na Assembleia, em debate, mas que lhe permitia estar num almoço-debate? É esta a minha questão.

E eu estou a responder-lhe, com a maior das simplicidades e olhinhos nos olhos: eu nunca pus questão se saúde quando não fosse questão de saúde. Eu fui submetido a uns tratamentos e tive de ir a várias consultas. E vou ao Porto e vou continuar a ir.

«Cheguei aos 65 anos e venha o primeiro filho da p*ta dizer que eu alguma vez menti na vida», insurge-se o deputado

E em relação a este dia concreto, 9 de outubro, em que participou no almoço-debate?

Seguramente que fui à tarde a um tratamento ou fazer uma intervenção de outro tipo. Fui a várias coisas dessas de fisioterapia. Mas você parte do princípio de que… O que lhe quero dizer é isto: partir do princípio de que tudo o que está no Facebook é correto é um princípio um bocadinho errado.

Por exemplo?

Por exemplo o quê?! É um facto: nem tudo o que vem no Facebook corresponde exatamente à verdade. O que corresponde à verdade é a minha palavra! Sabe uma coisa? Eu sou um gajo decente e honrado… Não precisa de fazer assim!!! Eu cheguei aos 65 anos e venha o primeiro filho da p*ta dizer que eu alguma vez menti na vida! Nunca menti na vida! E é um orgulho, sabe o que é? É um gajo chegar aos 65 anos e dizer assim: f*da-se, até hoje nunca…

Não questiono a sua honorabilidade. Questiono o facto de não bater certo, aparentemente, os motivos por que faltou – de «doença» ou «saúde» – e a notícia publicada no Diário de Notícias de dia 10, que partilhou na sua página de Facebook, sobre ter participado num almoço no dia 9. Afinal, os motivos apresentados impediram-no de estar no Parlamento, a debater, mas não num almoço-debate? É uma questão simples.

Mas não tem de questionar! Você está a partir do princípio… Você está-me dizer: «está no Facebook». Se for abrir o Facebook de hoje, eu meti que fui hoje à [sítio omitido] comer um robalo e eu não fui à [sítio omitido] comer um robalo. Só para lhe dar o exemplo de hoje.

O seu exemplo de hoje não explica a minha questão de 9 de outubro de 2013.

Mas eu estou a dar-lhe o exemplo de hoje! Você anda a ler o Facebook como uma Bíblia.

Volto a dizer-lhe que o seu exemplo não defende a situação de 9 de outubro de 2013 – foi notícia no Diário de Notícias que nesse dia esteve num almoço-debate (com a sua foto e tudo); e como estava lá não podia estar no Parlamento. O Sr. deputado justificou, no entanto, a sua ausência com «motivo de doença» (que é o que está no ponto do Parlamento) e não parece ter sido por isso que faltou. Estou portanto a dar-lhe oportunidade de defesa, para que esclareça…

Mas eu não tenho de me defender!!! Eu quero que você perceba uma coisa: sou um gajo de 65 anos que já exerceu responsabilidades mais variadas em variados sítios e nunca mentiu na p*ta da vida! Portanto, se eu ponho «questões de saúde» são questões de saúde! É tão simples como isso! Se você não está convencido, não há nada que eu… Eu não vou discutir consigo, como se estivesse… está a perceber?

Não quero sequer discutir…

Mas você está-me a dizer que a não-sei-quantos de novembro do ano passado você foi ao International Club… É verdade que fui almoçar, mas se pus «saúde» é por alguma razão de saúde, está a perceber? Se não, podia por razões políticas ou outras, está a perceber?

Portanto, não lhe parece estranho que a razão para não estar numa reunião plenária não o impeça de estar noutro debate?

Pois, provavelmente a hora não coincidiu… É tão simples como isso… É tão simples como isso… É tão simples como isso… Por exemplo, eu não sei se você está a perceber que eu já estou inscrito nesta sessão plenária e ainda estou aqui a falar consigo…

Foi o Sr. deputado que escolheu esta hora para falarmos, não eu. E se preferir, o Sr. vai para a reunião e falamos depois de ela terminar.

Não. É para perceber que devia estar ali e estou aqui a falar consigo. Aliás, estou aqui há um bom bocado, à sua espera, e já recebi três telefonemas de pessoas com quem vou falar. E daqui bocado vou-me ausentar, por outras razões, está a perceber?

Podemos falar mais tarde.

Não é isso! Eu estou a tentar que você perceba qual é a lógica deste sistema, está a perceber? Portanto, eu não estou na sessão plenária, estou aqui a falar consigo.

Foi o Sr. que escolheu esta hora.

Não, não tem problema nenhum! Claro que escolhi esta hora…

[Surge outro deputado no gabinete a chamar o entrevistado e a nossa conversa chega dessa forma ao fim.]

Luís Martins

Luís Martins | diretor WIN

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