Deixem-se lá dessa treta das super-mulheres, sim?
O Dia da Mulher não existe para que as mulheres pensem, “bem, afinal, até me dão valor”, enquanto ele, excecionalmente, lava a louça do jantar.
Não vai há muito tempo, este dia irritava-me. Não via necessidade de equiparar o estatuto das mulheres ao de uma espécie protegida como a dos pandas gigantes ou a dos índios Guarani.
Mas mudei de opinião.
Ao longo da minha vida, raramente me senti discriminada, pessoal ou profissionalmente. Tenho sido uma privilegiada. Talvez por isso, precisei chegar aos 40 para começar a ver as coisas de outra forma.
Agora, o que me irrita é ouvir coisas como “as mulheres têm maior capacidade de trabalho porque conseguem concentrar-se em mais do que uma tarefa ao mesmo tempo”. Ora, isto não passa de uma cretinice, muitas vezes sustentada pelas próprias mulheres, para eternizar a sua condição de faz-tudo.
O Dia da Mulher não existe para que os homens “homenageiem” as suas “super-mulheres”, lhes dêem flores e bombons e assim se sintam legitimados com o estado de coisas lá em casa.
O Dia da Mulher não existe para que as mulheres pensem, “bem, afinal, até me dão valor”, enquanto ele, excecionalmente, lava a louça do jantar.
O Dia da Mulher não é isso.
A realidade é que nem é preciso considerar os casos extremos das mutilações genitais, dos casamentos forçados na infância, da proibição do acesso à alfabetização e de outras barbaridades de sociedades machistas e arcaicas.
Aqui, entre nós, temos desigualdades que ninguém pode negar: discrepâncias salariais e de acesso à progressão nas carreiras, violência doméstica e social e, sobretudo, um longo caminho que falta percorrer no que respeita às atitudes em casa, perante as tarefas domésticas e cuidados com os filhos, que afetam quase todas as famílias.
Se isto não justifica um dia de reflexão por ano, não sei o que poderá justificar.
Ana Prista | jornalista arrependida
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