A guerra dos bigodes e dos pães
Há cem anos, Lisboa assistia à primeira guerra dos empregados de comércio e da hotelaria em prol da dignificação profissional. E o que pretendiam eles? Usar bigode.
O uso de bigode era visto como sinal de elevação no estatuto social e a questão já tinha levado alguns empregados de mesa a fazer greve, e outros a recusarem trabalho, por se negarem a aparar os pelos e almejarem a libertação do estigma de criado doméstico. A leitura do órgão dos criados de mesa de Buenos Aires, El Syndicato, onde os camaradas sul-americanos denunciavam «alguns maricas que concordam em cortar o bigode para servir certas pessoas nobres que agora visitam a Argentina», foi a faísca.
Em Lisboa discute-se a questão com fervor e é criada a Comissão do Bigode para conferenciar com os proprietários de hotel para que abdiquem da exigência humilhante do corte da bigodaça. Após dois meses de negociações, a Comissão do Bigode comunicou na assembleia-geral que tinha chegado a acordo com todos os hotéis da capital e a data de 20 de Dezembro de 1910 marca o dia em que todos puderam passar a usar bigode sem restrições. A mesma comissão envia uma carta a todas as companhias a dar conhecimento do acordo colectivo e apelam à unidade daqueles que ainda não usam bigode, incitando-os a passar a usufruir desta nova regalia conquistada pela classe. Pergunto-me se não é daqui que nasce o orgulho na ostentação do famoso bigode português.
Um século depois, Portugal acordou com a guerra dos pães. No dia da votação sobre a descida da TSU na Assembleia um canal televisivo entrevistou Nuno Carvalho, um dos sócios da Padaria Portuguesa. E o que disse ele? Que a medida não têm qualquer impacto na sua organização, visto oferecerem uma remuneração variável que permite aos colaboradores receberem mais do que o ordenado mínimo, e com a subida do mesmo neste momento apenas 25% dos empregados auferem esse valor na empresa. Defende que em vez da TSU deveria ser discutido no parlamento uma legislação laboral que promova a produtividade e que permita aos trabalhadores auferir mais à medida que os negócios evoluem. E como seria isso possível? Seriam necessárias medidas estruturais e não temporárias que permitissem às entidades laborais aumentarem os lucros e melhorar a remuneração aos trabalhadores pela via da flexibilização da contratação, despedimento e horário extra de trabalho.
O boicote à Padaria Portuguesa
Bastaram alguns textos no Facebook, a imprensa seguiu atrás, caiu o Carmo e a Trindade, e foi o que bastou para surgir um boicote à Padaria Portuguesa. Calculo que o boicote tenha o propósito de deitar a empresa abaixo e os trabalhadores seguirem para o fundo de desemprego. Poderemos afirmar que o entrevistado se mostrou demasiado assertivo a defender os interesses da sua organização, mas se é caso para um boicote proponho iniciarmos a época de caça pelas outras inúmeras empresas que oferecem salários mínimos. Talvez a FNAC, a ZARA, todas as companhias com call center, ou, quiçá, os inúmeros trabalhadores das obras da Câmara de Lisboa.
Enquanto a indignação e o boicote tomavam de assalto as redes e ofereciam publicidade de borla à Padaria Portuguesa, o mítico Bar Pirata nos Restauradores encerrou as portas para mais um edifício da baixa se converter num hotel. O pirata morreu sozinho e em silêncio no meio do ruído para deitar uma empresa abaixo.
Sofia Afonso Ferreira, escritora ([email protected]) | Foto Carlos Ramos
Siga a Impala no Instagram