Mundial’22: Migrantes retirados dos estádios antes de vistorias da FIFA

Novo relatório revela que migrantes eram retirados dos estádios antes de vistorias da FIFA. Existem relatos de mortes e de violações dos direitos humanos em todas as obras.

Mundial’22: Migrantes retirados dos estádios antes de vistorias da FIFA

Existe um novo escândalo a ensombrar o Mundial que irá decorrer no Qatar, de 20 de novembro a 18 de dezembro. Um relatório da Equidem Research and Consulting, empresa de consultoria especializada em direitos humanos, garante que os migrantes que trabalharam na construção dos estádios que vão receber a prova eram retirados à pressa das obras antes das inspeções da FIFA. Algo que tinha como objetivo impedir que se queixassem das precárias condições de trabalho.

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O documento, citado pelo Daily Mail, refere que duas pessoas perderam a vida na construção do estádio que irá receber a final, uma delas no ano passado. É ainda salientada a falta de consideração pelos direitos humanos nas obras de todos os estádios. Há mesmo menções a castigos físicos quando os trabalhadores se queixavam ou não trabalhavam o esperado. Os migrantes foram ainda forçados a trabalhar durante o confinamento relacionado com a pandemia da covid-19.

“Se alguém fosse apanhado escondido, ou ia para casa ou via o salário ser reduzido”

O relatório conta ainda com testemunhos de vários migrantes. Como é o caso de um nepalês que trabalhou na construção do Estádio Lusail, que irá receber a final. “A empresa fazia soar um alarme de incêndio de propósito. Quando o ouvíamos saíamos todos. Estes simulacros de incêndio aconteciam com regularidade, por isso íamos para locais amplos pré-destinados. Depois, entrávamos em autocarros e levavam-nos dali”, começa por contar. “Ao início acreditámos que eram alarmes de incêndio. Toda a gente saía. Mas depois de isto acontecer duas ou três vezes, as pessoas deixaram de sair. Os trabalhadores começaram a esconder-se, para terem uma oportunidade de se queixarem ao grupo da FIFA. A empresa começou então a verificar se ainda ficava gente lá dentro. Se alguém fosse apanhado escondido, ou ia para casa ou via o salário ser reduzido”, acrescenta.

Relatos de mortes

São ainda mencionadas mortes de dois trabalhadores que estavam na obra do Estádio de Lusail. Um deles era do Bangladesh e terá morrido em março de 2019. “Foi apenas alguns dias depois de eu ter começado a trabalhar lá. Ele caiu de uma altura equivalente a um quinto andar. Aquilo deixou-me nervoso. Verificava sempre o meu cinto, a data de validade. Tinha sempre muito cuidado”, diz o mesmo migrante. A outra vítima era um trabalhador chinês que terá perdido a vida em 2021. “Ele caiu de uma altura de uns 25 metros. Ouvimos dizer que não se mexia quando foi levado para o hospital. Disseram que o cinto se desprendeu, o que levou à queda”, conta.

Por sua vez, um trabalhador queniano alegou ter sido vítima de violência física de forma constante. “Batiam-nos em frente a outros trabalhadores para nos pressionar a trabalhar mais depressa ou a completar o que estávamos a fazer. Não podíamos fazer queixa porque eles eram os nossos superiores”, lamenta. Existem ainda menções à obrigação de trabalhar durante o confinamento devido à pandemia de coronavírus. “Tentei ficar em casa, mas a empresa ordenou-me que fosse trabalhar. Toda a gente no Qatar estava em confinamento e eu estava cheio de medo, por causa do coronavírus. Fui mandado para vários lugares e acabei por apanhar covid. E não me trataram bem, fiquei doente. Tive febre e dores horríveis no corpo”, revela.

Este relatório tem por base os depoimentos de 60 migrantes que fizeram parte da construção dos estádios em que são ser disputados os jogos do Mundial. A empresa entrou em contacto com 982 trabalhadores, mas a maioria não quis prestar declarações com receio de represálias. Responsáveis do Qatar também já reagiram ao relatório, garantindo ser “completamente desequilibrado” por apresentar somente um lado da história.

Texto: Bruno Seruca

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