“Rapper do povo” Azagaia recordado com palmas e música no cemitério em Maputo

Dezenas de jovens juntaram-se hoje no cemitério de Michafutene, a 40 quilómetros de Maputo, cantando e batendo palmas a Azagaia, o “rapper do povo”, que morreu há um ano, garantindo, de punho erguido, que o legado está vivo.

“Batemos palmas, cantamos as músicas de Azagaia, porque na verdade o Azagaia vive entre nós”, disse à Lusa, à saída do cemitério, David Fardo, ativista social e defensor dos direitos humanos, de 30 anos.

Edson da Luz ‘Azagaia’ nasceu em 06 de maio de 1984 e foi encontrado morto, em casa, em 09 de março de 2023, após uma crise de epilepsia, segundo a família, consternando milhares de fãs em toda a lusofonia, onde o seu nome era conhecido. Ficou célebre pela crítica aberta à governação, de tal forma que, em 2008, na sequência de três dias de violentas manifestações que paralisaram a capital, foi chamado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), após lançar o tema “Povo no Poder”, uma música gravada pouco depois dos episódios, alertando para a possibilidade de uma paralisação geral face à subida de preços de produtos básicos no país.

“Sendo aquele que é o herói da juventude, o que inspirou a criação da geração 18 de março [dia do funeral, em que se registaram cargas policiais com vários feridos durante o cortejo fúnebre], nós achamos, como jovens, vir cá para poder homenageá-lo. E esta homenagem não é feita apenas hoje, dia 09 de março, mas nós fazemos dia após dia. É nas barracas, é na escola, é na nossa casa, escutando a música de Azagaia, refletindo sobre as próprias músicas e também fazendo jus àquilo que é o Estado de Direito”, recordou David Fardo.

Quitéria Guirengane, ativista política e social de 34 anos, juntou-se na ida ao cemitério: “Um ano de Azagaia representa um ano em que ele descansa eternamente na cripta de heróis dos nossos corações. Azagaia é um herói nacional e ele não precisa de nenhum decreto que assim o eleve”.

Descreve músico como “um jovem muito acima da sua geração” e que “honrar Azagaia diariamente é avançar com esta luta”.

“Azagaia nos falava sobre direitos civis e políticos, como manifestação, como marcha, mas acima de tudo como expressarmos a nossa vontade em qualquer situação”, recorda, assumindo essa importância “em momentos difíceis” como o atual: “Os nossos direitos nunca estiveram tão em risco em tempos recentes e por isso é nossa obrigação honrar Azagaia”.

Daí que Quitéria não esconda a dificuldade do último ano: “Faz falta e fará eternamente falta. Mas ele deixou-nos com aquilo que nós só víamos à distância, que são teorias, políticas de luta. E estas teorias, esse legado de Azagaia, nos serve de inspiração para nós conhecermos o caminho para fazer mudanças e transformações profundas”.

Um grupo de jovens fãs de Azagaia previa organizar hoje uma caravana até ao cemitério onde o músico foi enterrado, em homenagem. Deveria partir depois das 07:00 (05:00 em Lisboa) da igreja São Tiago de Choupal, nos subúrbios de Maputo, hora prevista para uma cerimónia religiosa programada pela família, até ao cemitério de Michafutene. Contudo, a cerimónia religiosa foi antecipada para sexta-feira ao final do dia, por motivos desconhecidos, o que inviabilizou a marcha, mas não a concentração dos jovens no cemitério.

Para David Fardo, mesmo morto, Azagaia “continua incomodando aos vivos”.

“Mas nós, como jovens, mantemo-nos firmes para fazermos cumprir aquilo que é o seu legado”, concluiu.

Com roupas a recordar o músico, Bento Chofer, técnico de laboratório de 33 anos, levantou-se às 04:00 para recordar Azagaia e não deixou de marcar presença no cemitério, apesar da surpresa por não se ter realizado a caravana.

“Vir aqui para mim significa muita coisa. Significa honrar quem me representou como jovem, para quem me despertou (…) Muita falta, muita falta. Para a juventude faz falta. Para esse país, um Azagaia faz sempre falta”, desabafa.

O trabalho que deu corpo à carreira de Azagaia foi o ‘single’ “As Mentiras da Verdade”, de 2007, por muitos classificado como “manifesto crítico” à narrativa oficial da história de Moçambique, em que o músico chegou a questionar as causas da morte do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel.

A faixa, banida na altura na rádio e TV públicas, surgiria no seu primeiro álbum: “Babalaze” (que significa “ressaca” na língua changana), uma adaptação da obra poética “Babalaze das Hienas”, do escritor moçambicano José Craveirinha.

Por entre cânticos de “Povo no poder”, a música mais popular de Azagaia, Lino Daniel, 36 anos, explica que saiu de casa às 05:00 para estar na homenagem desta manhã e recordar “o grande homem” e “maestro”, mas apontando a falta que o músico faz: “Desde o primeiro dia, desde o primeiro segundo, desde o primeiro minuto que terminou a vida dele. Ficamos sem norte, estamos sem pai”, atira.

PVJ/EAC // MDR

By Impala News / Lusa

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