O nosso silêncio

Nas últimas semanas, o mundo virou as atenções para Trump, é o alvo preferido a abater, chamam-lhe o diabo na terra, muito vêem-no como o novo Hitler. Em duas semanas concretizou várias medidas prometidas na campanha, algumas delas apelam à xenofobia – construção do muro na fronteira com o México, impedida a entrada de emigrantes no país.

Quando o avião aterra em Berlim é de noite e a temperatura apresenta-se abaixo de zero. O silêncio dos campos cobertos de neve estende-se até às ruas no centro da cidade.

Assisto a imagens de pessoas na manifestação em silêncio, a minha alma do sul estranha a falta de palavras de ordem, apitos, panelas a bater

De todas as diferenças culturais que dividem e unem os do sul e os do norte, é o silêncio que mais sobressai – uns por abusarem dele, os outros por falta do mesmo. No sábado, um milhar de pessoas manifestou-se em Berlim na Porta de Brandemburgo contra o decreto de lei anti-emigração de Donald Trump. Manifestos iguais tiveram lugar em Paris e Londres no mesmo dia. Na televisão alemã, assisto a imagens de pessoas na manifestação em silêncio, a minha alma do sul estranha a falta de palavras de ordem, apitos, panelas a bater.

Enquanto escrevo este texto, vejo imagens de um incidente no metro em Nova Iorque. Amanhece e os passageiros descobrem uma carruagem repleta de suásticas. Os passageiros incomodados permanecem em silêncio, indecisos em que reacção adoptar, até que um homem decide usar lenços de papel e álcool para limpar os graffitis. Os restantes imitam-no.

no metro em Nova Iorque. Amanhece e os passageiros descobrem uma carruagem repleta de suásticas. Os passageiros incomodados permanecem em silêncio
No metro em Nova Iorque, amanhece e os passageiros descobrem uma carruagem repleta de suásticas. Os passageiros incomodados permanecem em silêncio

Nas últimas semanas, o mundo virou as atenções para Trump, é o alvo preferido a abater, chamam-lhe o diabo na terra, muito vêem-no como o novo Hitler. Em duas semanas concretizou várias medidas prometidas na campanha, algumas delas apelam à xenofobia – construção do muro na fronteira com o México, impedida a entrada de emigrantes no país.

Em Berlim, a cidade conhecida pelo seu antigo muro, visito a Nova Sinagoga, reduzida a escombros na II Guerra e reconstruída em 1995. No interior é possível visitar um espólio significativo da sua história. Os planos de construção, maquetes, peças recuperadas, fotografias e registos da vida da comunidade na cidade – o cemitério, a escola de raparigas, o centro de estudos, o asilo, a cantina social, o hospital judeu. Uma comunidade que se esforçou a construir para o futuro sem saber que dali a poucas décadas seria destruído, apagado, silenciado. As medidas de segurança são severas, malas revistadas, detectores de metais, vidros à prova de bala. É esperado um atentado em Berlim a qualquer momento, a polícia prendeu três suspeitos na cidade com ligação ao grupo terrorista Estado Islâmico e revistou a mesquita no distrito de Moabit.

Enquanto nos distraímos com o fogo-de-artifício da América, esquecemo-nos de olhar para a nossa casa. Em Paris, um ataque contra militares no museu do Louvre faz as manchetes.

Nas eleições presidenciais em França, Marine Le Pen apresentou o seu programa que consiste num braço de ferro com a velha Europa. Sair do Euro, abandonar o acordo de Schengen, um referendo sobre a adesão à Comunidade Europeia, ou seja, um ‘Frexit’ servido em prato frio se Bruxelas não se submeter às exigências. Quanto aos emigrantes, o programa é claro, redução drástica do número de entradas no território, impedidos de trazer a família, taxa adicional para quem contrate estrangeiros. Mas a cereja no topo do bolo é a proposta de reintrodução da pena de morte. Le Pen também deseja construir um muro entre a França e o mundo.

Suásticas em Nova Iorque. Reintrodução da pena de morte. Em 2017. Será possível contaminar o pensamento com demagogia barata como em 1933? Diríamos que não, neste mundo globalizado e repleto de informação. No entanto, na última crise económica que assolou os EUA e que atingiu a Europa, assistimos à esquerda mais radical subir ao poder e as massas a seguiram ordeiras sem protesto. Este ciclo de viragem à extrema-direita não é mais do que, infelizmente, a resposta normal, cíclica, esperada. Ignorando o quanto os extremos são nefastos, estaremos condenados a andar em círculos. E ao percebermos esta condição de ciclo eterno, sabemos que nada é garantido, excepto o silêncio.

SofiaAfonsoFerreira

Sofia Afonso Ferreira, escritora ([email protected]) | Foto Carlos Ramos

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